CURIOSIDADES DO MUNDO CÃO - XXIV
AS IMPERFEIÇÕES DA REALIDADE...
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"SERPENTES" - Akiyoshi Kitaoka |
Calma, amigo leitor, não é caso para entrar em pânico, está tudo bem consigo, não está a alucinar nem a ser vitima da sua desregrada imaginação e nem sequer padece de nenhuma doença degenerativa dos seus olhos só porque ao olhar com atenção para a imagem acima e deu por si a ter a estranha sensação de que a coisa se mexe, isso é perfeitamente natural porque ela mexe-se mesmo, ou antes, ela não se mexe nada mas o seu cérebro é que lhe transmite a ideia de que ela se mexe! Confuso?
Pois é, o nosso cérebro por vezes prega-nos pequenas e grandes partidas, como se fosse um insensível traidor, mas fá-lo por boas razões, afinal ele é um excepcional equipamento biológico programado para tomar decisões rápidas, grande parte delas instantâneas, com um único objectivo: a sobrevivência! E nessa vital missão que tão bem desempenha não há tempo nem espaço para grandes sentimentalismos...
Se é daqueles que pensa que o mundo que vê pelos seus olhos é uma cópia fiel do mundo real desengane-se, é mentira, aquilo que vemos é uma imagem depurada do ambiente que nos envolve pois o nosso cérebro "limpa" pormenores que não interessam muito à sobrevivência da espécie, tal qual quando vemos numa televisão mal sintonizada uma imagem suja com "grão" e som distorcido e noutra televisão mesmo ao lado e bem sintonizada é-nos apresentada a mesma imagem límpida, a primeira, em bruto, é o mundo real, a segunda, processada, é o "nosso mundo"! Por exemplo, aqueles milhares de grãos de pó que andam pelo ar ao sabor das correntes de ar e que muitas vezes dão boleia a milhares de bicharocos que são invisíveis para nós e que só conseguimos vislumbrar quando, sentados no sofá ao entardecer, um oblíquo raio de sol nos invade a sala, eles estão sempre à nossa volta, simplesmente passam-nos ao lado porque o cérebro os retira da imagem que nos apresenta para proporcionar uma maior nitidez e profundidade do aspecto do palco da sobrevivência...
E se com o olfacto e com a audição acontece o mesmo, o nosso cérebro "trabalha" e selecciona os cheiros e os sons que nos interessam, é no entanto no processamento da informação óptica que o cérebro mais investe, segundo a segundo vai processando dezenas de milhares de estímulos sensoriais e resolvendo equações para apresentar as melhores opções para nos tornar o mundo seguro... Por isso, o OLHO humano, devido às suas hipersensíveis células da retina, é considerado o maior prodígio do processo evolutivo e tornou-se numa estrutura tão eficiente que até há quem diga que tem a capacidade de detectar um único fotão de luz! E muitos neurocientistas consideram-no mesmo como uma extensão do cérebro e não como um orgão independente...
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Tromp l'oiel - Gant - Jean-Charles Forgeronne |
Esteja onde estiver, feche os olhos durante uma dezena de segundos, agora abra-os e observe: aquilo que está a ver não é real porque enquanto ajustava o seu olhar ao meio ambiente e sem se aperceber, instantâneamente, o seu cérebro já lhe devolveu uma imagem trabalhada após ter processado numa região chamada cortex visual toda a informação sobre a cor, a profundidade, o movimento, a escala... E essa imagem é única, é a sua, ninguém mais tem essa visão porque o seu cérebro é único e só seu, uns vêm melhor ao perto, outros não conseguem analisar correctamente o horizonte, outros não têm perspectiva, uns são mais sensíveis a uma cor e outros até daltónicos são, já tinha imaginado? Tantos mundos diferentes que é caso para dizer que cada um tem o seu próprio mundo...
Por isso, tudo está bem consigo se jurar que vê o movimento das "serpentes" inventadas pelo psicólogo japonês Akyioshi Kitaoka ou se ao observar uma pintura trompe l'oeil tiver a sensação de uma profundidade que afinal não existe, afinal não passa de um alerta do seu cérebro que lhe está a dizer para ter cuidado porque, num caso, matematicamente é possível e plausível os círculos rodarem como numa engrenagem e no outro, é desejável e prioritário ver o mais longe possível, ainda que neste caso se possa bater com o nariz na tela ou na parede, não é por acaso que a técnica inventada pelos pintores renascentistas significa ilusão de óptica ou erro de observação... Afinal, o que é a realidade?
João Abelhudo
(Pesquisador de Valmedo)
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