A VIDA BOA NA ALDEIA...
(... e ESCRITO NA PAREDE - VII)

Subindo a Rua D. Pedro, da mercearia de livros do professor até ao café-mercearia do Jorge são uma breve centena de passos que vale a pena dar mais que não seja para descansar um pouco nos bancos de pedra muito bem situados ali na esquina... Dali vislumbra-se o cocoruto do campanário da igreja e mais ao longe é possível descortinar uma franja da floresta de onde acabo de vir de mais uma exploração. Hoje não se vê chávenas de café ou garrafas de cerveja sobre a mesa de mármore deixadas à pressa antes da ida para o trabalho ou pelos exploradores do planalto que necessitaram de uma salvadora hidratação, a culpa é deste maldito vírus que obrigou as autoridades a fechar o café ontem à noite! A aldeia parece imune à pandemia porque mesmo que a escola primária, a junta de freguesia e o café não tivessem sido encerrados ela estaria igual na quietude de todos os dias, são mais as obras de arte na rua do que vivalmas e só de quando em longe alguém passa em direcção às hortas perdidas por entre os moledos... Esta tranquilidade não tem preço, o sossego e o ar puro inebriam e se retivermos a respiração por um instante só a natureza ou os bichos se fazem ouvir, parece a Tormes das
serras do Eça de Queiroz que salvou o Jacinto da terrível
cidade que o asfixiava numa agitação fútil e doentia... E neste período de tormenta que se quer breve e em que nas grandes metrópoles milhões de citadinos estão confinados a parcos metros quadrados e asfixiados pelo betão, que bom e apaziguador é ter esta natureza toda como quintal por onde espairecer e respirar sem medo, não trocava hoje este cenário por qualquer outro no mundo inteiro!

E agora que abri os olhos e acordei deste devaneio lembro-me que vim aqui para vir à mercearia paredes meias com o café buscar o encomendado e ainda quentinho pão cozido em forno de lenha com chouriço de fumeiro e torresmos, assim não passo pela tormenta da fila do supermercado... Mas as boas vibrações continuaram quando cheguei a Valmedo e sou surpreendido, não pelo
JAMES que já me esperava como sempre pendurado no gradeamento do muro, mas por um saco cheio de robustos limões que um generoso vizinho deixara. Por vezes são corpulentas abóboras como aquela que na semana anterior o senhor Serralha depositara à porta, noutro dia apareceu o Zé Jorge com maçãs, até com ovos de galinhas verdadeiramente do campo me presenteiam por vezes e noutra altura aconteceu a Dona Edite desfazer-se em desculpas pelo aspecto da couve galega que me estendia e eu mil vezes agradecido só lhe dizia que estas genuínas couves eram muito mais saborosas que as do supermercado, só ficou por lhe dizer noutra altura porque não me veio à lembrança que eu ainda sou do tempo em que a garotada crescia sã e robusta à base de feijão com couves azotadas com o adubo natural do penico matinal, se é que me entendem... Só na aldeia há verdadeiros vizinhos!


E amanhã continuarei a minha luta contra a crise e contra o desânimo, será dia de ir em busca dumas fofíssimas arrufadas e de pão de centeio que sairão do forno da padaria do
Nadrupe e aí sim é evidente o impacto da pandemia, o Largo da Nª Srª da Graça estará deserto, ele, que costuma ser o festivo e movimentado coração da terra e porque tanto a Associação como a igreja encerraram portas amanhã apenas será cruzado por solitários que vão ao pão... E se me tem sido deveras penoso passar sem os renhidos torneios de
snooker das terças-feiras, já para não falar das resmas de conversa e convívio que se desperdiçam, já o encerramento da igreja me passa completamente ao lado, aliás todas elas, do mundo inteiro, poderiam muito bem continuar encerradas muito para além do fim da pandemia e de tudo o resto ter voltado ao normal, assim os bispos, padres e similares, ao poder gozar de uma profunda reflexão talvez a aproveitassem para diminuir os pecados da Igreja! Bom, mas agora sou eu que me penitencio: podiam fechar todas as igrejas menos esta do Nadrupe, edificada pelos nadrupenses há 151 anos em honra de Nossa Senhora por esta os ter salvo da terrível epidemia de
febre amarela , doença hemorrágica grave e que também é provocada por um
vírus através da picada de um mosquito e que actualmente, apesar da vacina existir há muito, ainda mata dezenas de milhares de pessoas em cada ano, especialmente em África! Ora, se hoje tudo o resto falhar talvez nos valham as preces à Nossa Senhora da Graça do Nadrupe para nos livrarmos deste novo vírus...
 |
"ESCRITO NA PAREDE - VII" |
"Trepávamos então alguma ruazinha de aldeia, dez ou doze casebres, sumidos entre figueiras, onde se esgaçava, fugindo do lar pela telha vã, o fumo branco e cheiroso das pinhas. Nos cerros remotos, por cima da negrura pensativa dos pinheirais, branquejavam ermidas. O ar fino e puro entrava na alma, e na alma espalhava alegria e força. Um esparso tilintar de chocalhos de guizos morria pelas quebradas...
Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava:
- Que beleza!"
in "A Cidade e as Serras", Eça de Queiroz
E que felicidade, como dizem as paredes da aldeia do Moledo...
JOÃO DAS BOAS REGRAS
(Sociólogo de Valmedo)
Belas pinceladas das nossas terras...
ResponderEliminar