EFEMÉRIDE # 68
OS GITANES, O GIN E AS COUVES...
A revolução de Abril ainda estava fresca e sentiam-se no ar os ventos de mudança, era como se alguém tivesse aberto de par em par as janelas do mundo e tivesse deixado entrar uma lufada de coisas novas e empurrasse para longe toneladas de bafio e estagnação... Aquele era um daqueles fins-de-semana especiais para aproveitar até ao tutano, tinha dormido na templária terra da Comenda em casa do primo Jorge e isso significava, antes de tudo, a descoberta de musicais coisas novas...
- Anda cá, agora vais ouvir uma coisa fixe... - assim falou o meu primo com a autoridade que lhe davam os quase quatro anos a mais sobre mim e a exemplar colecção de discos que possuía, recheada de tudo o que era bom na altura, todo o rock sinfónico desde Genesis a Supertramp até a tudo o que era pesado como os Led Zeppelin, os Deep Purple ou os Black Sabbath... Um deleite para mim que ainda imberbe sexual e musicalmente era obrigado a viver de cassetes manhosas gravadas e regravadas...
- Ouve só.... Eles estão a f*der...
- Tão agora! - exclamei sem convicção...
E de facto, depois daqueles acordes iniciais e daquele divinal som do orgão que imediatamente me conquistaram, ouvindo com mais atenção, era inequívoco o gemido do prazer supremo...
- E sabes que mais, isto é proibido, se o padre lá dos Parceiros sabe disto excomunga-te...
Aqui fiquei tranquilo, não era coisa que me preocupasse, a mim, rapazinho que tinha fugido durante anos à catequese e limitei-me então a decorar o título daquela obra-prima: "Je t'aime, moi non plus..."
E os gemidos continuavam por entre aqueles acordes mágicos, entre o pecaminoso e o celestial.... E foi assim que conheci SERGE GAINSBOURG!
Entretanto o tempo foi passando e só voltei a encarar o grande artista passados mais de trinta anos quando em atalho pelo famoso cemitério de Montparnasse num estágio para a maratona da cidade-luz, dei de caras com uma tumba deveras peculiar, a mais festiva de todas, aliás: sobre a campa, para além de muitas e recentes flores, jaziam inúmeras garrafas de whisky, gin e Pernod, rodeadas de muitos maços de Gitanes e de couves-de-bruxelas... Em relação ao álcool e ao tabaco, tudo bem, Gainsbourg era viciado, mas que raio faziam lá as couves?
JE T'AIME, MOI NON PLUS
Hoje sei que num belo dia do ano de 1959 Briggite Bardot lhe pediu para escrever a mais bonita canção de amor que pudesse imaginar e, nessa mesma noite, Serge escreveu a maldita canção e que não chegou a publicar na altura por causa do escândalo que poderia prejudicar a carreira da actriz... Viria a editá-la passados dez anos, em 1969, mas com a parceria da sua namorada da altura, Jane Birkin... E nos entretantos, o pintor fracassado foi escrevendo canções para meio mundo enquanto fumava, bebia e vivia à sua maneira, sempre polémico, sempre provocador! E também descobri que as tumulares couves-de-bruxelas homenageiam a sua obra "L'Homme a tete de Chou", a história de uma personagem meia bróculo meia pessoa, criada a partir de uma escultura que o artista um dia encontrou numa galeria de arte...
Ah! É verdade, passam hoje exactamente 37 anos que se despediu deste mundo Serge Gainsbourg, que enquanto viveu fumou perto de 2 milhões de Gitanes e bebeu uma incalculável quantidade de álcool... Em suma, um herói e um genial compositor de canções cuja vida dava para meia dúzia de filmes...
João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)
- Anda cá, agora vais ouvir uma coisa fixe... - assim falou o meu primo com a autoridade que lhe davam os quase quatro anos a mais sobre mim e a exemplar colecção de discos que possuía, recheada de tudo o que era bom na altura, todo o rock sinfónico desde Genesis a Supertramp até a tudo o que era pesado como os Led Zeppelin, os Deep Purple ou os Black Sabbath... Um deleite para mim que ainda imberbe sexual e musicalmente era obrigado a viver de cassetes manhosas gravadas e regravadas...
- Ouve só.... Eles estão a f*der...
- Tão agora! - exclamei sem convicção...
E de facto, depois daqueles acordes iniciais e daquele divinal som do orgão que imediatamente me conquistaram, ouvindo com mais atenção, era inequívoco o gemido do prazer supremo...
- E sabes que mais, isto é proibido, se o padre lá dos Parceiros sabe disto excomunga-te...
Aqui fiquei tranquilo, não era coisa que me preocupasse, a mim, rapazinho que tinha fugido durante anos à catequese e limitei-me então a decorar o título daquela obra-prima: "Je t'aime, moi non plus..."
E os gemidos continuavam por entre aqueles acordes mágicos, entre o pecaminoso e o celestial.... E foi assim que conheci SERGE GAINSBOURG!
Entretanto o tempo foi passando e só voltei a encarar o grande artista passados mais de trinta anos quando em atalho pelo famoso cemitério de Montparnasse num estágio para a maratona da cidade-luz, dei de caras com uma tumba deveras peculiar, a mais festiva de todas, aliás: sobre a campa, para além de muitas e recentes flores, jaziam inúmeras garrafas de whisky, gin e Pernod, rodeadas de muitos maços de Gitanes e de couves-de-bruxelas... Em relação ao álcool e ao tabaco, tudo bem, Gainsbourg era viciado, mas que raio faziam lá as couves?
Hoje sei que num belo dia do ano de 1959 Briggite Bardot lhe pediu para escrever a mais bonita canção de amor que pudesse imaginar e, nessa mesma noite, Serge escreveu a maldita canção e que não chegou a publicar na altura por causa do escândalo que poderia prejudicar a carreira da actriz... Viria a editá-la passados dez anos, em 1969, mas com a parceria da sua namorada da altura, Jane Birkin... E nos entretantos, o pintor fracassado foi escrevendo canções para meio mundo enquanto fumava, bebia e vivia à sua maneira, sempre polémico, sempre provocador! E também descobri que as tumulares couves-de-bruxelas homenageiam a sua obra "L'Homme a tete de Chou", a história de uma personagem meia bróculo meia pessoa, criada a partir de uma escultura que o artista um dia encontrou numa galeria de arte...
Ah! É verdade, passam hoje exactamente 37 anos que se despediu deste mundo Serge Gainsbourg, que enquanto viveu fumou perto de 2 milhões de Gitanes e bebeu uma incalculável quantidade de álcool... Em suma, um herói e um genial compositor de canções cuja vida dava para meia dúzia de filmes...
João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)
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