quinta-feira, 12 de março de 2020


ACUPUNCTURA CANINA


Pois é, amigos caninos, uma vida de cão nem sempre é festinhas, boa comida e sestas sob este sol quentinho primaveril, e eu que o diga que tenho andado aqui com umas dorzitas na perna, nada que não se aguente, é certo, mas que incomoda quando tento correr ou pendurar-me ali no muro para ver quem passa na minha rua... E tudo começou há dias numa escorregadela parva quando ia aos saltos em busca da bola arremessada pelo J.C, vai daí afocinhei ao fugir-me a pata neste estúpido pavimento que fica como manteiga quando caiem umas míseras pingas e pronto, claro que não quis dar parte de fraco e lá continuei mais um pouco a jogatana mas o incómodo ainda hoje se mantém! Olhem, já oiço ao longe o barulho do carro do J.C, não tarda nada está aí e lá vou eu ser sujeito a mais uma sessão de terapia para a minha pequena mazela, uma espécie de acupunctura... Surpresos? Passo a explicar:

Tudo começou ontem, aparece-me de sopetão o J.C pela frente a abanar o braço de uma forma alucinada e quase a gritar:
   - Olha só, James! Uma maravilha!
Só então reparei que trazia na mão um livro que fez questão de me espetar quase nariz dentro:
   - Um achado, um milagre, bicho! A solução para os teus problemas! Arranjei-o há pouco na feira das velharias das Caldas... - e enquanto abanava energicamente o braço caíram duas ou três folhas do volume...
     - Bem...- respondeu o J.C entre dois sorrisos amarelos enquanto se abaixava a custo para apanhar os destroços - não se pode exigir demais, é muito antigo e só me custou 50 cêntimos! Mas não tem preço!
E como eu levantei o sobrolho e botei focinho esquisito logo adiantou:
   - Sim, ou por acaso pensas que lá por disfarçares eu não reparei já que continuas aflito dessa perna e se é questão de nervos ou de traumatismo não interessa, isto resolverá o problema! - e espetou o indicador várias vezes e quase com fúria na capa do livro... 


E então fiquei a saber muito sobre a ACUPUNCTURA, essa prática milenar de tratar maleitas através da colocação de finas agulhas em pontos nevrálgicos que tem por objectivo corrigir a intensidade e a qualidade dos fluxos energéticos do corpo humano, ou seja, obter o equilíbrio entre yin e yang... E, amigos caninos, estou a ler o vosso pensamento: AGULHAS?????! Não, descansem, felizmente só vamos ter que levar com agulhas aquando daquelas vacinas de verão, este método diz que em vez da estimulação com agulha basta a pressão com os dedos, e há solução para tudo: eczemas, verrugas, queda de pêlo, afecções de boca e dentes, constipações e sinusites, conjuntivites, cicatrização  de feridas, cataratas, tosse, asma, vómitos e diarreias, choques e traumatismos, doenças dos olhos, do coração e da bexiga, enfim, tudo é possível desde que se saiba onde colocar o dedo e pressionar, massajar melhor dito, e isso, meus amigos, está tudo naquele livro milagreiro...

E meus amigos, não comentem por favor que é segredo, a verdade é que eu desde que fui obrigado a pôr-me a jeito para estas intervenções digitais senti francas melhorias, a coisa é capaz de resultar mesmo, melhor, quase que voltei ao normal e que posso fazer tudo o que me apetece, mas sabem que mais, lembrei-me duma história real que o J.C me contou há tempos: houve um cão vagabundo, esperto bicho, que quase morria de fome até descobrir que se fingisse ser coxo as pessoas que passavam por ele  se enterneciam e davam-lhe uma moedinha ou qualquer coisa para comer, e vai daí em diante tornou-se um artista na arte do fingimento e acabou por viver desafogadamente até ao fim.... Assim estou eu, amigos caninos, mesmo que não precise vou fingir que manco para ser massajado, é que para além de ser uma sensação muito agradável acalma-me os nervos, só basta que a arte não me falte para que esse fingimento seja credível, porque senão....



James 
(Cão de Valmedo)

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