MOZART, O BACALHAU E OS PALAVRÕES...
Que melhor local poderia haver para encontrar o fascinante génio do MOZART senão ali mesmo, defronte da fachada imponente do Palácio de Shonbrunn? Ali estava ele armado em estátua dirigindo uma imaginária orquestra e só dava sinais de vida quando alguém lhe dava troco, isto é, notas que lhe soavam a música celestial e então, mas só então, se agitavam os seus braços numa vénia graciosa...
À falta do alemão e enquanto depositava as duas parcas moedas que me tinham sobrado do caríssimo metro de Viena perguntei-lhe:
- Can I get you a picture?
Não obtive resposta, apenas uma leve aquiescência com a cabeça e lá tirei o retrato enquanto desabafava alto e em bom português:
- "F*da-se, este está muito bem caracterizado, cheio de manias e emproamentos como o original!"
![]() |
"Amadeus"- Viena - J.C.Forgeronne |
E então algo extraordinário aconteceu, a estátua desfez-se por completo, sorriu para mim e até botou palavra:
- Where are you from?
- Portuguese!
- Oh! F*cking amazing country! I love Lisbon, f*ck! I was there several times, f*ck! How do you say? Sheet, I can't remember... Codfish?
- Bacalhau?
- F*ck! That's it! Ba-cá-lau... Mother f*cker! Bacálau! I love your bacálau! The best bacálau in all the f*cking world!
- I agree and we have thousand ways of cooking it!
- F*ck, that's right! But my prefered is like handjob...
E então encravei aqui... Que raio quereria dizer o bom do Amadeus com bacalhau à handjob? Mas fez-se luz...
- Ah! Punheta de bacalhau!
- Yes, f*ck, that's it! Pu-nhe-tá!
A coisa entretanto estava difícil, mais uma carrada de chineses tinha entretanto saído de um autocarro e acercava-se, não restou ao bom do Mozart aprimorar-se outra vez, tornou-se rígido novamente mas não sem esboçar um último sorriso e dizer:
- I love portuguese and bacálau! F*cking loving people!
- Have a nice day...
E lá entrei no Palácio, já com saudades daquela figura que agora era engolida pelo enxame de chineses e que não tinha mãos a medir para as selfies e para as moedas, seria um bom dia certamente...
![]() |
"Schonbrunn" - Viena - J.C.Forgeronne |
E embora estivesse eu a deambular por um lugar mágico não conseguia tirar da cabeça o encontro imediato com aquela desconcertante personagem, afinal tinha sido num daqueles salões que aos 5(!) anos de idade MOZART tinha encantado a corte com o seu virtuosismo no cravo, na presença da imperatriz Maria Teresa e da sua filha Maria Antonieta, a futura rainha de França que acabaria guilhotinada, e que um século depois também por aqueles jardins tinha andado Isabel da Baviera, mais conhecida por SISSI, carregando a sua melancolia enquanto não dava mais uma das suas escapadelas à ilha da Madeira para curar os acessos de tristeza e ansiedade... E aquele ambiente fazia-me crer que era mesmo o génio que estava lá fora afogado em turistas chineses, não padecia afinal Mozart daquela estranha e célebre doença neurológica conhecida por Síndrome de La Tourette, também conhecida pela "doença dos tiques"? Para além da produção extravagante e descontrolada de movimentos e sons bizarros, um dos principais sintomas da doença é a utilização excessiva e compulsiva de palavrões e isso aquele Mozart que acabara de conhecer fazia-o convincentemente, à imagem do original que, segundo os estudiosos do fenómeno, em dezenas de cartas que endereçara à família tinha brindado os destinatários com inúmeros palavrões, sendo os mais comuns "olho do cu", "peido", "cu" e "merda"... Além disso, tal qual o original, este também era viajado, teria estado várias vezes em Lisboa onde se perdera pelo lusitano bacalhau! Seria mesmo ele, ressuscitado?
Quando saí de SHONBRUNN o meu Mozart já lá não estava e só lhe desejei melhor sorte que ao original que morreu doente e abandonado aos trinta e cinco anos de idade... Consta que apenas o condutor da carruagem e o capelão acompanharam Amadeus até à última morada, no cemitério San Marcos onde foi enterrado numa vala comum, vale que embora se tenham perdido os seus restos mortais lá lhe dedicaram um monumento fúnebre em sua memória... E a sua presença continua a ser tão forte hoje em dia que eu, mesmo ali e ainda a quente, prometi a mim mesmo que uma das primeiras coisas que iria fazer quando regressasse a Valmedo seria confeccionar e degustar uma maravilhosa punheta de bacalhau, tudo ao som de Don Giovanni e regado com um tinto filho da p*ta!
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
Sem comentários:
Enviar um comentário