A ALMA DE VIENA E A BONECA...
Um autêntico furacão varreu VIENA durante o estertor do século XIX e o alvor do século XX e era uma mulher, a mulher! Corporizou o ideal de femme-fatale, era belíssima para os padrões da época, alta, opulenta, olhos azuis que desarmavam e semblante suave e equilibrado, mas o que a distinguia era muito mais do que o aspecto físico, ela era muito culta, inteligente, brilhante, original, desafiadora, uma personalidade de atracção irresistível... E os homens simplesmente não lhe conseguiam resistir, caíam de quatro perante o arrebatador poder de sedução desta mulher, desde músicos, pintores, escritores e outros artistas da fervilhante cena cultural da Viena de então, quem se cruzasse com ela caía de amores por aquela abençoada criatura, desde Mahler, a Kokoskha, a Gropius, a Werfel, a Rilke, a Klimt, a Hauptmann e por aí fora...
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Alma |
ALMA, assim se chama a nossa heroína, era uma talentosa artista, filha do pintor Schindler, tinha-se revelado desde tenra idade uma exímia pianista, começou a compor música aos nove anos de idade e aos vinte já tinha no seu reportório composições para ópera e mais de cem lieder, as célebres canções para piano e canto, e claro, toda a gente comentava pela capital austríaca sobre o enorme talento e o risonho futuro que aguardava aquela jovem... Mas algo inexplicável aconteceu aos seus vinte e um anos de idade! Um casamento precoce e trágico com o todo-poderoso Gustav Mahler, o então director da ópera de Viena e vinte anos mais velho que do alto do seu estatuto e das convenções sociais da época obriga Alma a anular-se enquanto mente criativa, que parvoíce era essa de ela querer continuar a ser compositora?! O lugar dela era em casa, na gestão doméstica, e ela a isso se predispôs, anulou-se para o tornar feliz, e assim seria até ao fim da sua vida, anular-se-ia sempre para tornar os seus homens melhores e felizes! Há sempre uma falha no carácter, não há personalidades perfeitas e a falha de Alma era essa, a de não romper com toda a situação, de não ter a coragem de dar o salto em frente ainda que no escuro, mas sempre ousar seria a única saída, e não foi, teve um casamento miserável e infeliz com alguém egocêntrico, absorto, aborrecido e até, segundo alguns, impotente! Que desperdício... Alma passa o tempo a chorar, sofre, torna-se depressiva e revolta-se contra o vazio em que a sua vida se tinha tornado, valeu-lhe que numa das suas estadias balneares para recuperar das suas angústias conhece Walter Gropius, o famoso arquitecto fundador da Bauhaus, e a paixão surge desenfreada num clandestino idílio que só não não dura mais tempo porque, passado um mês, num lapso caricato, Gropius dirige por engano a Mahler uma arrebatadora carta que seria para Alma e aquele fica destroçado, morrendo pouco tempo depois... Alma fica viúva aos 31 anos de idade...
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Hermione Moos nos acabamentos da boneca... |
Depois de enviuvar ALMA desiste definitivamente da música mas também jura a si própria que nunca mais deixará que um homem mande nela, e quem mais sofreu com isso foi o amante seguinte, Oskar KOKOSCHKA, o pintor expressionista e rebelde que com ela viveu durante três anos uma atormentada paixão... E quando foi abandonado por ela, KOKOSCHKA a modos que enlouqueceu e não suportando a ausência da sua amada encomendou à pintora e escultora Hermione Moos uma boneca de pano em tamanho real que retratasse fielmente os traços de Alma Mahler... A encomenda demorou quase um ano a ficar pronta e apesar de constar que a obra final tivesse algumas imperfeições que não agradaram a Kokoscka, a verdade é que ele se tornou inseparável da boneca, inclusivamente a levava ao teatro e à ópera! E o estranho romance entre pintor e boneca durou um ano até que um dia, sabe-se lá porquê, uma veneta ou um copito a mais, o amante não foi de modas e decapitou a sua amada embonacrada!
Quanto à verdadeira Alma, entre muitas paixões voltaria a casar duas vezes, com o já conhecido Gropius e com o romancista Franz Werfel, este o homem que aguentaria mais tempo a seu lado, trinta anos bem contados e que com ele, já com sessenta anos de idade, foi obrigada a fugir dos nazis atravessando a França e transpondo a pé os Pirinéus para daí alcançar Portugal e rumar à América... Portugal foi a sua salvação então e Alma assim o reconheceu na sua autobiografia: "Nunca esquecerei aqueles dias de paz paradisíaca num país paradisíaco depois do tormento dos meses anteriores!"
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"Auto-retrato com boneca" - Kokoschka, 1922 |
João Plástico
(Artista de Valmedo)
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