sexta-feira, 30 de agosto de 2019


A ALMA DE VIENA E A BONECA...


Um autêntico furacão varreu VIENA durante o estertor do século XIX e o alvor do século XX e era uma mulher, a mulher! Corporizou o ideal de femme-fatale, era belíssima para os padrões da época, alta, opulenta, olhos azuis que desarmavam e semblante suave e equilibrado, mas o que a distinguia era muito mais do que o aspecto físico, ela era muito culta, inteligente, brilhante, original, desafiadora, uma personalidade de atracção irresistível... E os homens simplesmente não lhe conseguiam resistir, caíam de quatro perante o arrebatador poder de sedução desta mulher, desde músicos, pintores, escritores e outros artistas da fervilhante cena cultural da Viena de então, quem se cruzasse com ela caía de amores por aquela abençoada criatura, desde Mahler, a Kokoskha, a Gropius, a Werfel, a Rilke, a Klimt, a Hauptmann e por aí fora... 


Alma

ALMA, assim se chama a nossa heroína, era uma talentosa artista, filha do pintor Schindler, tinha-se revelado desde tenra idade uma exímia pianista, começou a compor música aos nove anos de idade e aos vinte já tinha no seu reportório composições para ópera e mais de cem lieder, as célebres canções para piano e canto, e claro, toda a gente comentava pela capital austríaca sobre o enorme talento e o risonho futuro que aguardava aquela jovem... Mas algo inexplicável aconteceu aos seus vinte e um anos de idade! Um casamento precoce e trágico com o todo-poderoso Gustav Mahler, o então director da ópera de Viena e vinte anos mais velho que do alto do seu estatuto e das convenções sociais da época  obriga Alma a anular-se enquanto mente criativa, que parvoíce era essa de ela querer continuar a ser compositora?! O lugar dela era em casa, na gestão doméstica, e ela a isso se predispôs, anulou-se para o tornar feliz, e assim seria até ao fim da sua vida, anular-se-ia sempre para tornar os seus homens melhores e felizes! Há sempre uma falha no carácter, não há personalidades perfeitas e a falha de Alma era essa, a de não romper com toda a situação, de não ter a coragem de dar o salto em frente ainda que no escuro, mas sempre ousar seria a única saída, e não foi, teve um casamento miserável e infeliz com alguém egocêntrico, absorto, aborrecido e até, segundo alguns, impotente! Que desperdício... Alma passa o tempo a chorar, sofre, torna-se depressiva e revolta-se contra o vazio em que a sua vida se tinha tornado, valeu-lhe que numa das suas estadias balneares para recuperar das suas angústias conhece Walter Gropius, o famoso arquitecto fundador da Bauhaus, e a paixão surge desenfreada num clandestino idílio que só não não dura mais tempo porque, passado um mês, num lapso caricato, Gropius dirige por engano a Mahler uma arrebatadora carta que seria para Alma e aquele fica destroçado, morrendo pouco tempo depois... Alma fica viúva aos 31 anos de idade...  
   

Hermione Moos nos acabamentos da boneca...


Depois de enviuvar ALMA desiste definitivamente da música mas também jura a si própria que nunca mais deixará que um homem mande nela, e quem mais sofreu com isso foi o amante seguinte, Oskar KOKOSCHKA, o pintor expressionista e rebelde que com ela viveu durante três anos uma atormentada paixão... E quando foi abandonado por ela, KOKOSCHKA a modos que enlouqueceu e não suportando a ausência da sua amada encomendou à pintora e escultora Hermione Moos uma boneca de pano em tamanho real que retratasse fielmente os traços de Alma Mahler... A encomenda demorou quase um ano a ficar pronta e apesar de constar que a obra final tivesse algumas  imperfeições que não agradaram a Kokoscka, a verdade é que ele se tornou inseparável da boneca, inclusivamente a levava ao teatro e à ópera! E o estranho romance entre pintor e boneca durou um ano até que um dia, sabe-se lá porquê, uma veneta ou um copito a mais, o amante não foi de modas e decapitou a sua amada embonacrada!
Quanto à verdadeira Alma, entre muitas paixões voltaria a casar duas vezes, com o já conhecido Gropius e com o romancista Franz Werfel, este o homem que aguentaria mais tempo a seu lado, trinta anos bem contados e que com ele, já com sessenta anos de idade, foi obrigada a fugir dos nazis atravessando a França e transpondo a pé os Pirinéus para daí alcançar Portugal e rumar à América... Portugal foi a sua salvação então e Alma assim o reconheceu na sua autobiografia: "Nunca esquecerei aqueles dias de paz paradisíaca num país paradisíaco depois do tormento dos meses anteriores!"


"Auto-retrato com boneca" - Kokoschka, 1922


João Plástico
(Artista de Valmedo)

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