LIVROS 5 ESTRELAS - XV
A SOLIDÃO NUM MUNDO SEM LIVROS...
Um génio desconhecido! Não fosse a mão amiga do João Andarilho a emprestar-me este pequeno grande livro e bem poderia acontecer eu finar-me um dia destes sem ter desfrutado desta pérola... São pouco mais de cem páginas mas valem muitas mais porque é raro encontrar tanta coisa em tão poucas palavras, numa frase ou num parágrafo pode concentrar-se o mundo inteiro, o real e o imaginário, como numa amálgama saída da prensa do trágico herói da história, tudo ligado por ironia e sarcasmo desarmantes... "Uma solidão demasiado ruidosa", publicado por Bohumil Hrabal em 1976, após a era de repressão soviética na Checoslováquia e em que o próprio autor foi considerado proscrito e viu as suas obras proibidas durante anos, é uma maravilhosa homenagem aos livros. O herói trabalha na cave de um depósito de reciclagem em Praga aonde lhe chegam toneladas e toneladas de papeis e livros para a destruição mas, antes de os colocar na sua prensa, ele não resiste a folhear os livros, a conhecê-los e a achá-los a coisa mais importante da sua vida; assim, salva aqueles que pode e leva-os para casa, aos outros abre-os na página favorita ou na imagem mais bela e com eles forra os pacotes prensados, as suas obras de arte afinal...
Mas o progresso vai alterar tudo, não só a vida do nosso herói na cave mas também a do mundo lá em cima... Crítico, incómodo, divertido, surreal, original, esta obra contribuiu para que Hrabal fosse considerado no seu país um seguidor de Kafka e eleito como um dos melhores escritores do século XX...
"(...) e eu, como que atingido por um raio, humilhado, numa situação de grande stress, compreendi de repente, com o corpo e com a alma, que já nunca mais seria capaz de me adaptar, que estava na mesma situação dos monges de alguns mosteiros quando souberam que Copérnico descobrira leis cósmicas diferentes daquelas que eram válidas até ali - que a Terra já não era o centro do universo, que era ao contrário -, e esses monges suicidavam-se colectivamente, porque não saberiam imaginar um mundo diferente daquele em que tinham vivido até então. (...) E aí é que se me toldaram os olhos: eu que, durante trinta e cinco anos, tinha empacotado textos velhos, eu que não podia viver sem a surpresa de a cada momento poder pescar, no papel repelente, um belo livro como prémio, então eu havia de ir empacotar papel branco, inumanamente imaculado?"
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
(Leitor de Valmedo)
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