EFEMÉRIDE # 67
HISTÓRIA DE UMA ANUNCIADA TRAGÉDIA MARÍTIMA
Exactamente há 234 anos, a 2 de Fevereiro de 1786 e pelas dez e meia de uma noite até então calma, pois não havia tempestade, o vento era fraco e a visibilidade razoável segundo o relato de testemunhas e sobreviventes, embate contra as rochas da península da Papoa um grande barco alvoroçando a pacatez da vila de Peniche... Tratava-se do San Pedro de Alcantara, navio de guerra espanhol equipado com 64 valiosos canhões e que para além de 419 passageiros transportava uma excepcional carga: 603 toneladas de cobre em barra, 153 toneladas de prata e 4 toneladas de ouro em moedas, tudo proveniente das minas do Peru! Juntando a isso mais 140 toneladas de pedra que serviam de lastro e 100 toneladas de quinquina e 6 toneladas de cacau, tudo somado ultrapassava em muito a capacidade da embarcação, tornando a aventura numa tragédia anunciada...
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Papoa - local exacto do naufrágio - Jean-Charles Forgeronne |
De facto, tudo correu mal desde o princípio da história, houve até uma falsa partida devido ao falecimento do primeiro responsável por toda a engenharia da operação e depois, quando parte em 1784 de Callao, perto de Lima, capital do Peru, com destino a Cádiz, o navio é obrigado a uma paragem de vários meses no Rio de Janeiro para reparações devido a graves inundações provocadas pela excessiva carga que excedia a dobrar a sua capacidade. Depois de vários meses parado em terras de Vera Cruz, o San Pedro de Alcantara ruma definitivamente ao seu trágico destino... A causa da tragédia só se encontra na cupidez humana, os espanhóis desesperavam por riquezas para fazer face às grandes despesas do seu império e quem sabe talvez se bastasse alguém de bom senso para lhes aconselhar a dividir a preciosa carga por dois navios para evitar o desastre!
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"Naufrágio do San Pedro de Alcantara" - Jean Pillement - Museu Nacional de Arqueologia |
Pelo facto de ter ocorrido a meia dúzia de passos de terra firme, o que facilitou o resgate de pessoas e bens, o acidente do San Pedro de Alcântara tornou-se num marco único da história trágico-marítima mundial e continua hoje a ser um dos naufrágios mais bem documentados, testemunhados e estudados de sempre... Também pela enorme fortuna que estava envolvida não se pouparam as autoridades espanholas a esforços e assim, durante os três anos seguintes e sem descanso, uma meia centena de mergulhadores contratados por toda a Europa invadiu Peniche e em simples apneia conseguiram recuperar 90% do tesouro! Só não houve remédio para os 128 mortos, a maior parte deles feita em pedaços contra as rochas da Papoa e sumariamente enterrados ali perto, no sítio do Porto da Areia Norte, sendo alguns deles prisioneiros incas que ao lado do imperador Túpac Amaru se tinham revoltado contra a exploração espanhola...
Mas o tesouro entretanto recuperado parecia amaldiçoado, o navio que entretanto o viera resgatar e levar finalmente para Cádiz naufraga também, ao largo da Consolação, custando perto de mais uma centena de vidas... Recuperou-se novamente a carga e, parece, à terceira foi de vez, lá terá chegado finalmente ao destino...
João Alembradura
(Historiador de Valmedo)
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