LENDAS E NARRATIVAS - IV
OS PASSOS DE DONA LEONOR
Os alcatrazes aninhados nas escarpas da Berlenga não estranharam o barulho do batel a entrar na água nem dos remos a cortar as ondas, assim acontecia todas as noites desde a estação fria, chovesse ou estivesse breu, rebelde ou sereno se mostrasse o mar, lá iam aqueles dois homens rumo à península, um a lutar contra as vagas e o outro de coração exaltado e olhos ardentes tentando ver a chama do seu destino...
Entretanto LEONOR já tinha subido ansiosa os últimos degraus que davam acesso à gruta. Lançou chama ao pavio da lanterna e colocou-a num nicho sobre a sua cabeça, dali a luz poderia ser vista a uma légua e orientar o rumo do seu eleito que haveria de chegar não tardaria muito. Subitamente ouviu um ruído e teve um mau pressentimento, vislumbrou uns vultos na escuridão e quase desfaleceu, eram os sequazes do seu pai, tinha sido descoberta! De raiva estampada no rosto tomou a decisão tantas vezes pensada e amadurecida, não se entregaria a uma vida falsa e iria fugir definitivamente com Rodrigo, viveriam eternamente a sua merecida paixão numa fuga eterna... Começou a descer o carreiro vertiginoso que dava acesso à pequena praia onde em breve aportaria o amado mas uns seixos traiçoeiros fizeram-na resvalar e cair no abismo...
Quando RODRIGO chegou apenas encontrou a lanterna quebrada e abandonada no estreito carreiro e então, enquanto gritava pelo nome da sua amada, avistou lá em baixo sobre as águas o seu manto branco e num mergulho desesperado tentou salvá-la...
A gruta da paixão |
Passados dias é encontrado nas redondezas o corpo de Leonor que teria como derradeiro destino o adro da Capela de Santa Ana, ali próxima, e do outro lado do cabo, na costa norte, aparecia também o corpo do infeliz fidalgo, junto a uma rocha depois chamada Laje de Frei Rodrigo... À gruta onde os devaneios amorosos do par enamorado tinham lugar deu-se o nome de Passos de D. Leonor...
O caminho de Leonor |
Esta mal-aventurada história de paixão poderia ter saído da imaginação de SHAKESPEARE tais são as semelhanças com a sua obra imortal "Romeu e Julieta": tal como o ódio visceral que opõe as duas famílias de Verona e que as leva a fazer tudo para evitar o relacionamento entre os seus filhos, também aqui os pais de Rodrigo e Leonor são dois abastados fidalgos que são inimigos figadais e que tudo fazem para separar os amantes, tendo Rodrigo sido desterrado para o mosteiro de frades Jerónimos que existia na Berlenga, mas nem essa distância chegou para apaziguar as ânsias da paixão...
Laje de Frei Rodrigo |
E se a intensidade da paixão é a mesma e que leva as personagens atormentadas a lutar até à exaustão pelo seu amor, também é comum nas duas histórias o final trágico, epílogo que torna as lendas poderosas e imortais. Finalmente, e não se sabendo se o grande dramaturgo inglês andou aqui pelo Cabo Carvoeiro, as duas histórias coexistem no tempo final do século XVI e, enquanto Romeu e Julieta saíam da pena de Shakespeare, Leonor e Rodrigo amavam-se sobre as falésias...
Capela de Santa Ana |
João Alembradura
(Historiador de Valmedo)
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