sábado, 25 de agosto de 2018


"(...) Alguns leitores, mais perversos ou prudentes, criam mesmo o hábito de deixar certos autores de reserva, ou o romance de um autor de que se gosta muito, de modo a que tenha quase a certeza (nunca se tem a certeza absoluta) de que um dia se irá ler um livro com imenso prazer. Isto, aliás, tem a ver com algo que, conforme as circunstâncias foram mais ou menos favoráveis, procurei promover intransigentemente: a ideia da biblioteca como "seguro de vida". Explico melhor por motivos que não estou em condições de desfiar sensatamente, sempre entendi que a "minha" biblioteca só seria uma realidade tranquilizante se obedecesse à regra muito simples de conter sempre tantos livros por ler quanto os livros que nela já li. Com isto fui conseguindo chegar àquele ponto delirante em que, se por um fatídico acaso, deixasse hoje mesmo de poder comprar mais livros, tenho livros suficientes para ler - e reler - que dão para duas ou três vidas. Esta ideia dá-me uma paz dos sentidos e da alma que apenas pode encontrar comparação em algumas composições de Monteverdi ou Mozart.
Digamos as coisas de outra maneira: era necessário que a biblioteca que se foi tornando "minha" estabelecesse uma relação com algo que está para além do tempo da vida, como se ela se inclinasse silenciosamente para o momento em que a morte do mundo que toda a leitura é se convertesse numa imagem feliz da minha própria morte. Para isso, era preciso que, ao olhar os livros que desafiadoramente me esperam, eu soubesse que entre eles há alguns que nunca chegarei a ler."



Eduardo Prado Coelho

in "Público -Suplemento Leituras", 3 de Abril, 1992



A  minha biblioteca


João Vírgula
(Leitor de Valmedo)

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