EFEMÉRIDE # 19
REVOLUÇÃO, ILUSÃO, REFLEXÃO...
Passam-se hoje 228 anos sobre a tomada da Bastilha! E tal acontecimento ficou, talvez para sempre, como símbolo da REVOLUÇÃO FRANCESA... De tal forma assim é que este dia é assinalado como o principal feriado da nação gaulesa que, aliás, o comemora com pompa e circunstância.... Mas um símbolo não passa disso mesmo, é apenas um sinal no caminho efervescente da história....
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Tomada da Bastilha - Jean-Pierre Houelle, 1789 |
Façamos então um pouco de reflexão sobre as revoluções, sob o olhar do ilustre GRAHAM SWIFT e através da sua personagem Tom Crick, um professor de História em plena e aguda crise existencial, no seu seu magnífico romance "O PAÍS DAS ÁGUAS":
" Mas não sobrestimemos as características reais ou os verdadeiros acontecimentos da QUEDA DA BASTILHA. Sete prisioneiros libertados (era tudo o que a fortaleza continha: dois loucos, quatro falsários e um devasso miserável). Sete cabeças - a do governador e seis guarnições de defesa - passeadas em fueiros. Duzentos ou mais dos assaltantes mortos ou feridos. As próprias pedras da Bastilha, uma montanha de entulho, levadas por empreiteiros profissionais e vendidas com bom lucro...."
"Porque é que esta revolução, em nome da liberdade e da igualdade, acabou com um imperador? Porque é que este movimento pela abolição definitiva do ancien régime acabou com uma reincarnação do velho Rei Sol? Porque é que esta revolução, que efectivamente fez reformas duradoiras, não o conseguiu fazer sem MEDO e TERROR, sem o amontoar, só nas ruas de Paris (estimativa aproximada) de seis mil cadáveres, para não falar dos milhares de cadáveres no resto da França, ou nos inúmeros cadáveres de italianos, austríacos, prussianos, russos, espanhóis. portugueses, ingleses - que haveriam de espalhar-se pelos campos de batalha da Europa? (...) E porque é que, de cada vez, o que se passou antes nada nos ensina?"
Às vezes, os melhores livros de HISTÓRIA são aqueles que contam apenas histórias e que permitem ao leitor uma capacidade interventiva, cultural, crítica e subjectiva sobre um determinado acontecimento, coisa que os compêndios oficiais, herméticos e pesados, cheios de dados e verdades absolutas, gráficos e mapas sugestivos e decalcados de outros tantos com décadas de existência não conseguem, às vezes apenas tornam a história num catecismo cinzento, ortodoxo e pouco entusiasmante...
A verdade é que o processo revolucionário francês decorreu ao longo de 10 (!) anos, desde a tomada da Bastilha até à tomada de posse napoleónica, e muita devassa aconteceu deveras... A Bastilha não passa apenas de um breve capítulo de um romance intenso e perverso....
Alguém (Il Gatopardo de Lampedusa) afirmou que, em processo revolucionário, "é preciso mudar o que for preciso para que tudo continue na mesma"... ou seja, que as revoluções precisam de multidões mas que não são as multidões que fazem as revoluções! Quem fez a revolução francesa? O povo, que pouco tempo depois aclamava um NAPOLEÃO déspota e lunático? Ou terão sido outros, nobres e burgueses muito mais bem estabelecidos na vida mas ameaçados pela carga brutal de impostos, que terão levado à insurreição da facção mais miserável do povo, em proveito próprio?
E assim, a revolução é uma ilusão? Muito barulho e depois continua tudo igual? Serão as revoluções apenas fait-divers?
A pior coisa que poderá acontecer em relação às revoluções nas gerações futuras é haver a sensação de que tudo é ilusão, de que não vale a pena tentar mudar (revolucionar) qualquer sistema caduco porque depois voltaria tudo ao mesmo, apenas de cara lavada! Por isso, revolucionemos sempre, ainda que não seja para evitar o descalabro....
E porque é que nunca aprendemos com os erros do passado? Outra questão levantada por Swift e que ainda carece de resposta...
João Breve
(Cronologista de Valmedo)
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