domingo, 9 de julho de 2017



A ÁRVORE, A CULTURA E A TRADIÇÃO


Agora que este país, que, note-se, possui uma das maiores áreas florestais da Europa (35%), se comporta como uma FENIXOLÂNDIA e tenta mais uma vez renascer das cinzas e incinerar os traumas devido à (des)florestação suicida implementada na zona de Pedrógão, olhemos também para alguns pequenos paraísos autóctones que ainda vão sobrevivendo devido à teimosia de uns quantos proprietários, sábios pela tradição e pelo conhecimento milenar sobre a floresta que herdaram....  



Numa cumeada próxima e sobranceira ao VALE DE CORNAGAS pode fácil e prazenteiramente ser descoberta (basta procurar) uma propriedade muito sui generis: ao longo da vedação que a protege exibem-se, espaçadamente, como se de um circuito interactivo se tratasse, uma dezena de placas com ditos e poemas sobre a floresta, sobre as árvores nobres, especialmente sobre o CARVALHO...
E podemos ficar estupefactos como, no meio do nada (?) alguém se lembrou (e muito antes deste flagelo do Pedrogão) de alertar as consciências para a importância de preservar o que é verdadeiramente nosso, lusitano.... No entanto, olhando à volta,  percebe-se logo o porquê deste testemunho, lá no alto, embora ainda a algumas centenas de metros de segurança, miram-se já alguns eucaliptos sedentos...


O Vale de Cornagas  estende-se ao longo do percurso do Rio Galvão, emparedado por encostas abruptas e por onde, lá em cima, no planalto, há séculos de história atrás, acamparam as tropas do grande JÚLIO CÉSAR... Por toda esta zona do planalto das CEZAREDAS predominam os matos e a vegetação mediterrânica ou não desfrutassem eles de um clima temperado, com estação seca e quente no verão e invernos húmidos, embora instáveis... Carvalhos, sobreiros, carrascos (esses tão comuns arbustos da família  Quercus), azinheiras, oliveiras e medronheiros...



"Semeemos o que fica, o passantes que nós somos!
O fado é um abismo, e as suas vagas são amargas.
À beira do negro destino, irmãos, semeemos homens,
E carvalhos à beira dos mares!"

Victor Hugo, 1843




Podemos aí, no vale, apreciar seculares azenhas, cascatas de água, pontes romanas ou embrenhar-nos sorrateiramente numa floresta diferente, perfumada, húmida, tranquilizadora.... Uma paisagem à antiga portuguesa, até ver....
Mas quem explorar o planalto com atenção vai perceber sem dificuldade que o eucalipto já ameaça muito estes santuários, não é por acaso que o teixo e o mítico azevinho, típicos destas regiões calcáreas, já figuram entre as espécies em vias de extinção! É mais do que sabido que o eucalipto veio da Austrália e que a sua mais valia era drenar terrenos pantanosos tal era a sua avidez de água que seca tudo à volta e depois, quando o papel se tornou um bem de consumo de primeira necessidade, então foi o descalabro, árvore de rápido crescimento e madeira ideal para a pasta celulósica, com retorno económico assinalável... Assim, nem a reciclagem do papel acalma os nossos receios de um aniquilamento total da floresta ancestral, com uma incineração total de uma tradição e da identidade lusitanas.... Por isso, um bem-haja ao incógnito proprietário que, de uma forma culta e atraente, lançou o desafio de amarmos a nossa floresta!



Ponte romana e azenha - Vale  de Cornagas



E tantos exemplos existem e que atestam que o abdicar, por impulso ou irreflexão, da tradição e do saber dos nossos ancestrais, implica o risco de abrir a porta para o descalabro....!

"Durar
Carvalho, cada vez mais carvalho...
Cobrir espaços
Dar asilo
Mesmo àqueles
Que te cortam o tronco"
Guillevic   (Poèmes - 1973-1980)







Cascata - Vale de Cornagas







João Atemboró
(Naturalista de Valmedo)

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