segunda-feira, 25 de setembro de 2023

 

DORES DE UM TURISTA METÓDICO - I


QUERIA MARCIANO? SÓ TEMOS UM REBELO


O plano era apertado e todos os dias manhã cedo olhava para as minhas notas e dizia em voz alta para mim mesmo que tinha de arranjar oportunidade para ir ao museu, custasse o que custasse... Mas hoje era dia das Sete Cidades, amanhã seria dia de Furnas, no outro Rabo de Peixe e Caldeirões, havia ainda o Nordeste e o ilhéu de Vila Franca, para quando tempo para o museu, ainda para mais com abertura tardia (10:00h) e encerramento cedo (17:30h)? Tinha que lá ir por causa do Marciano Henriques da Silva, pintor açoreano (1831-1873) e figura de proa do romantismo português do séc. XIX e que ganhou fama ao ser eleito retratista da corte no reinado de D. Luís I, figura que eu desconhecia e com a qual me tinha cruzado há pouco tempo atrás e sobre quem projectava eu fazer um trabalho de investigação...


"Viático" - Domingos Rebelo


E às dez da manhã em ponto de um domingo temporariamente solarengo lá estava eu à porta do antigo convento onde está instalado o Museu Carlos Machado pronto para disparar sobre os quadros do Marciano e despachar a visita porque me aguardavam a N. no carro e o Nordeste ainda longe, abertura pontualíssima e primeira surpresa ao ouvir do recepcionista: "Vinha pela pintura? É pena porque essa área está fechada para obras!"... E não sabia para quando a reabertura: "Aqui pelos Açores as obras vão-se fazendo e demoram... Mas tem outras coisas para ver, tem muitas peças sobre História Natural, tem a escultura e a arte sacra... E hoje é grátis!"... E ao ouvir-me dizer desconsolado de que era mesmo a pintura que me interessava ainda sugeriu: "Mas pode ver uma pintura do Domingos Rebelo, um dos grandes quadros dele, o "Viático", está no Núcleo de Arte Sacra, logo à entrada, ali em baixo no largo..."
Desci a rua e entrei então no antigo colégio jesuíta que alberga o espólio religioso e dei imediatamente de caras com outro simpático recepcionista: "Venho encaminhado por um colega seu ali de cima para ver o quadro do Domingos Rebelo que parece ser o único que se pode ver devido às obras...", "Pois está mesmo atrás de si..."... E voltando-me lá estava a ocupar a parede inteira o imponente "Viático", esse alimento para a viagem que me esperava e para o consolo pela visita frustrada... "E depois pode entrar na igreja, belíssima, e visitar o resto do museu... E hoje é grátis"... "Não, obrigado, eu vinha mesmo só pela pintura..."


"Os emigrantes", na rua... - Domingos Rebelo

A minha visita ao museu estava feita, durara uns singelos dez minutos e agora, enquanto desço em busca do carro vou sorrindo para a bela calçada negra e tento convencer-me que nem tudo foi mau, fui à procura do Marciano e deram-me um Rebelo, essa figura maior da pintura açoreana autor de uma obra colossal e da qual se destaca o emblemático "Os Emigrantes", ele próprio um emigrante em Paris onde conheceu e privou com Rodin, Monet, Matisse, Picasso, Modigliani... E agora algo me fez parar de súbito, em plena calçada virada ao mar estava um painel a publicitar um roteiro sobre o grande Domingos Rebelo, um convite para revisitar a Ponta Delgada retratada nas suas paisagens e nos seus costumes e onde, claro, se dava destaque a "Os Emigrantes"... Foi uma manhã curiosa, um rico museu grátis mas fechado e com a sua principal obra na rua e ainda ganhei uma enorme curiosidade sobre a vida e a obra do Domingos Rebelo...


João Plástico

(Artista de Valmedo)  

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