O REI DO BAIRRO DO REGO
Após várias voltas sem achar um lugar para estacionar encontro-me encostado em segunda fila defronte dos blocos de habitação social do bairro, paredes meias com modernas residências para estudantes e séniores... Atrás de mim fica o hospital e o vale rasgado pela linha do comboio e por onde há muito tempo escoava até à ribeira de Alcântara um regato que vinha dos lados do Campo Pequeno, daí terem dado a esta zona o nome de Rego...
Está calor, abro a janela e só então reparo no cão pintado na parede, com uma orelha caída olha-me com ar sério e inquisidor e tem uma coroa sobre a cabeça, será o rei do Bairro do Rego? Deixo passar mais um barulhento avião em voo rasante e leio na placa: Rua Marciano Henriques da Silva, pintor, (1831-1873)... Busca rápida efectuada e fico a saber que era um pintor açoreano que se celebrizou por ter sido o retratista da corte no reinado de D. Luís I e que, calhava mesmo bem e feliz coincidência, tinha a maioria dos seus quadros no Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada, e eu com viagem marcada para São Miguel para daí a umas semanas não perderia a oportunidade de conhecer a obra do Marciano... E parecia ser a manhã das coincidências, o misterioso mundo-cão estava a enviar-me mensagens encriptadas pois veio-me então à alembradura que iria ficar hospedado em Ponta Delgada na casa da Sónia que curiosamente se situa numa rua com o nome de outro pintor açoreano, um qualquer coisa Rebelo...
Passa outro avião, pelas minhas contas passa um a cada cinco minutos e quando me volto, a meia dúzia de metros e deitado no colorido vão do prédio cheio de pinturas que nos transportam para o imaginário africano, vejo o cão outra vez! É o mesmo cão, aquele que está na parede só que desta vez em carne e osso, com o mesmo ar sério e a mesma orelha quebrada, afinal o rei do Bairro do Rego é um cão-personagem real!
Sai então alguém de um dos prédios e pergunto desavergonhadamente:
- Este bicho é aquele que está ali na parede, não é?
- É! É o Fany!
- E quem é o dono?
- Não é de ninguém e é de todos! Vive desde sempre aqui no bairro, todos lhe deixam comida e água... Foi a associação que o pintou ali na parede e que também fez todas estas pinturas que por aqui vê...
E enquanto passa outro avião descubro que a associação é o "Frame Colectivo" e que é ali que também têm a sua sede o Instituto Padre António Vieira e a "Passa Sabi", instituições que promovem a integração, a mobilização e a valorização da comunidade...
João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)
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