segunda-feira, 24 de abril de 2023

 

O POEMA ELÉCTRICO 24


José Gomes Ferreira morava na antiga Calçada dos Caetanos (hoje Rua João Pereira da Rosa), em pleno Bairro Alto, numa famosa casa cor-de-rosa e na época em que à sua actividade jornalística juntava a de tradutor de filmes sob o pseudónimo de Álvaro Gomes, talvez sob influência de Fernando Pessoa com quem havia colaborado, apanhava diariamente o eléctrico 24 na Praça Luís de Camões como se atesta pelas palavras do próprio:  "Todos os dias passo pelas Amoreiras quando vou para o laboratório de Campolide, marcar filmes numa moviola..." 
E por causa dessas viagens o poeta criou o poema XVIII que integra a sua obra "Eléctrico":


" Há lá renda que se assemelhe
a este tecido de árvores no Ar...
(Hei-de pedir à Maria Keil
para as pintar.)

Árvores do Jardim do Aqueduto
sem flor nem fruto,
nem nada de seu...

Só este azul de pássaros a cantar
que vai da terra ao céu."



"Jardim do Aqueduto" - Jean-Charles Forgeronne

A 1 de Julho de 1905 era inaugurada a linha do eléctrico 24 ligando a Praça Luís de Camões a Campolide e assim funcionou durante 90 anos até ser suspensa em 1995 por causa da construção de um parque de estacionamento subterrâneo na Praça de Campolide... E como é comum neste país acontecer a coisa que se fecha muitas vezes não voltar a abrir, parque de estacionamento concluído e elétrico nem vê-lo durante mais de 20 anos, mobilizou-se o povo lisboeta unido em petição para exigir a reactivação  da linha e, quase milagre, precisamente há 5 anos, simbolicamente a 24 de Abril de 2018 voltou o 24 a andar por carris desde Campolide ao Bairro Alto... Feliz ficaria o poeta ao disso saber, ele democrata e anti-fascista, militante convicto das justas causas populares...


"O 24 em Campolide" - Jean-Charles Forgeronne


João Conde Valbom

(Olisipógrafo de Lisboa)

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