ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - III
EÇA DE QUEIROZ
Quem descer a Rua das Flores desde o Camões em direcção ao Cais do Sodré e com o Tejo à vista, ao admirar chiques lojas e sedutores restaurantes talvez não saiba que aqueles edificios centenários albergavam dantes antigas cavalariças e vacarias e que, calcorreadas escassas dezenas de metros, à sua esquerda, encontrará o tranquilo e pequeno largo do Barão de Quintela, que poderia muito bem lhe passar despercebido não fosse a ilustre personagem que habita o seu centro...
O largo era propriedade privada do barão, mais tarde marquês, (ainda não havia à época congelamento de carreiras) e tendo ele terminado a construção do seu palácio em 1790, decidiu oferecer à Câmara o espaço fronteiro mediante a condição de nada se construir nele e assim facilitar o acesso de carruagens e outros veículos ao pátio interior da sua fidalga casa...
Que encontra então o viajante naquele singelo mas ilustre largo? Nada menos que EÇA DE QUEIROZ, um dos maiores vultos literários lusitanos, numa belíssima estátua de TEIXEIRA LOPES, datada de 1903, e em que o grande escritor se vê a braços com a nua VERDADE, um alegórico e belíssimo corpo feminino, tão real e pungente que derrota toda e qualquer visão romântica ou fantasiosa da realidade, o paradigma queirosiano... E na base da estátua pode-se ler, retirado de "A Relíquia", a célebre frase "Sobre a nudez forte da verdade o manto diáphano da phantasia"...
E que melhor local haveria para Lisboa homenagear o grande homem das letras do que aquele singelo largo, apesar de ter morado durante anos na casa paterna ao Rossio e de possuir há muito uma pequena rua com o seu nome que entronca na Duque de Loulé, foi por ali, pelo Camões, pelo Chiado e pelo Bairro Alto que deambulou, que escreveu, que viveu... Era assíduo frequentador do Teatro da Trindade e tascas vizinhas, da Havaneza do Chiado, da Rua Garrett, da Rua do Loreto, da Rua das Flores... Era um cidadão daquele mundo! Portanto, a estátua não foi ali erigida por causa de uma obra genial que Eça escreveu sobre aquele ambiente único de Lisboa e que passou oito décadas na gaveta, apenas editada postumamente em 1980: "A Tragédia da Rua das Flores"... Consta que Eça, que viveu emigrado a maior parte da sua vida e que matava saudades da pátria com a leitura dos jornais que lhe conseguiam fazer chegar, terá deparado um dia com a notícia do aparecimento de um cadáver no passeio da Rua das Flores e isso foi a ignição para a escrita de um romance, nunca editado porque, segundo os especialistas queirosianos, foi sendo adiado e serviu de gérmen e esboço para os posteriores e maiores romances "Os Maias" e o "O Primo Basílio", ao qual foram buscar personagens e ocorrências...
E começa assim:
"Era no Teatro da Trindade. Representava-se o Barba Azul."
"Era no Teatro da Trindade. Representava-se o Barba Azul."
João Conde Valbom
(Olisipógrafo de Lisboa)
Fantástico! Grande João Conde de Valbom! As pessoas passam sem olhar a vida toda. Desperdício de vida!
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