segunda-feira, 14 de janeiro de 2019


LENDAS E NARRATIVAS - VIII


O CÃO QUE MORREU DE AMOR PELA LOBA...


Muito antes das aventuras do leão de Rio Maior, outra lendária fera agitou de tal forma a pacata existência do povo da LOURINHà que a sua fama ainda perdura nos dias de hoje, apesar do protagonismo entretanto assumido pelos dinossauros...  Corriam os anos 30 do século XX e corriam então ainda mais rápido os rumores de que, por uma vasta área da região leste do concelho que ia desde a Ribeira de Palheiros até à Moita Longa, passando pelas Papagovas e chegando até Vale Covo (onde um burro tinha aparecido morto), uma enorme LOBA andava a dizimar rebanhos, bichos de capoeira, coelhos e até vitelos!  Tanta história se contava já que a realidade se misturava com a ficção e sendo por demais sabido que nos momentos de alvoroço o que os olhos vêem pode ser amiúde deturpado pelo cérebro agitado, nessas horas de tormenta uma polegada transforma-se facilmente num palmo e este, por sua vez, chega a parecer uma vara, um cão pode virar lobo, e então já se ouvia dizer que afinal não era apenas uma fera mas sim duas, assim se jurava que os bichos tinham sido avistados juntos por várias ocasiões...  Alvoroçaram-se ainda mais as hostes, especialmente aquelas que se acharam sem os seus animais, tocaram-se os sinos a rebate e magotes de gente desataram a bater aqueles terrenos em busca dos bichos, armados até aos dentes com pistolas, navalhas, varapaus e mais o que houvesse à mão!

A LOBA

Entremos agora na nossa cápsula do tempo, amigo leitor, e viajemos pela História até um longínquo domingo soalheiro e se atentarmos além, para a estrada que vem do Nadrupe, podemos descortinar um estranho e orgulhoso cortejo que se aproxima da Lourinhã, espalhando risos e vozes felizes por quem passa porque traz a boa nova e o bicho como prova: matou-se a terrível LOBA!...  Galgada a ponte sobre o Rio Grande, mais uma centena de metros até ao largo principal da vila e já se ouvem os acordes da Banda Filarmónica que vai animando o dia de cima do coreto outrora aí existente, como era tradição dominical (mais tarde, as más línguas irão espalhar que até a Banda teria sido convocada para abrilhantar o espectáculo quando foi o contrário que aconteceu, foi a Loba que ao chegar encontrou a Banda a tocar)...


"O Coreto onde a banda tocava..." - Mariazinha  - (Pintora lourinhanense)

- Mataram a LOBA! Mataram a LOBA! - O vento fazia ecoar estas palavras e de repente se apinhou de gente o largo do Convento, de todos os cantos e ruelas vinha povo para ver a afamada fera e até dos lugares próximos vinha gente a pé ou de carroça. Agora o leitor assiste a uma magnífica transfiguração do semblante dos presentes, uns franzem o sobrolho, outros levantam os ombros, todos se entreolham, uns poucos têm a coragem de se rir, sobe de tom o burburinho e só se ouve "MAS QUAL LOBA, É UMA CADELA!" O choque é tal que ninguém se apercebeu ainda do efeito futuro que esta confusão irá ter nos lourinhanenses e que se arrastará por décadas, até ao presente... E se o leitor aqui voltar no dia seguinte ficará deveras surpreendido com o ridículo da questão: foi a "loba" exposta no pátio da Câmara Municipal para que os visitantes a pudessem apreciar mediante o pagamento de cinco tostões! Mas hoje, que aqui está em pleno desfrute deste momento histórico, deve o leitor alhear-se do centro das atenções e olhar para a sua direita e reparar que ao longe, afastado da multidão, de ar acabrunhado e rabo caído, espreita um corpulento cão, do qual ninguém se apercebe mas que na sua dolorosa infelicidade chora em segredo a perda da sua companheira... Ainda não sabe o amigo leitor, aliás ninguém poderia saber, mas este apaixonado cão irá morrer de desgosto amoroso em breve, qual príncipe romeu sem julieta...

Por estes caminhos da Moita Longa deambularam apaixonadamente as feras... 

Chamava-se CINDERELA a enorme e linda cadela da Dona Amélia, dona da Quinta do Perdigão, e que metia respeito a quem se cruzava com ela ou se aproximava do seu território... Mas um dia, altos anseios se levantaram e fugiu! Deambulou pelas redondezas e acabou por conhecer na Moita Longa uma alma gémea, um cãozorro do qual não reza muita história mas que se poderia muito bem chamar de PRÍNCIPE, e a paixão entre os dois foi tão grande que se tornaram inseparáveis, até que, perseguidos e escorraçados por matilhas de homens furibundos e animados pela ideia de que eles eram terríveis feras à solta, foram obrigados a separarem-se! Durante muito tempo, Príncipe não teve notícias da sua Cinderela, até àquele funesto dia em que, por acaso, numa de muitas outras expedições em busca da sua desaparecida amada, deu de focinho com o fúnebre cortejo...


Como é de ver, desde aquela altura e durante décadas que o inusitado episódio da loba foi  motivo de chacota e gozo por parte de muitos forasteiros, de tal modo que a Lourinhã passou a ser conhecida como a "TERRA DA LOBA" e daí ter nascido a célebre expressão: " ÉS DA LOURINHÃ, OU QUÊ? ", que é como quem diz, "Mas tu és parvo ou quê?" Evidentemente, e durante largas épocas, às gentes honradas da Lourinhã  nem se podia falar em tal coisa tamanhos eram o desconforto e a ofensa mas, com a inevitável cura do tempo, hoje a singular história da LOBA virou orgulho e símbolo das novas gerações a tal ponto de, por exemplo e com desassombro, a claque de apoio ao clube da terra se chamar deliciosamente Ultras LOBA


João Alembradura
(Historiador de Valmedo)

1 comentário:

  1. "És da Lourinhã ou quê?". Sei que não és nela nado camarada, mas muito poucos nascidos nessa terra perdida no tempo, se podem orgulhar de terem tanto apego à dita como tu, de saberem tanto dela, das suas ruelas e baldios como tu, poeta de Valmedo. Um abraço companheiro...

    ResponderEliminar