domingo, 12 de janeiro de 2025

 
OURO, INCENSO E BIRRA!

Ontem quem deambulasse por Marvila poderia sentir-se em Jerusalém tanta foi a peregrinação pelas suas ruas e becos, almas e mais almas em busca da salvação, nas mãos seguravam-se copos solidários de mirra milagrosamente transformada em birra e dos seus olhos emanava-se um brilho de esperança num mundo melhor e mais justo... E ninguém trazia presentes, até porque o ouro está caro e o incenso não é coisa que se apresente, o que valeu é que se assistiu a um verdadeiro milagre: então não é que os presentes que era suposto receber nesta celebração de reis-magos, "ouro, incenso e mirra", se transformaram em "música, gastronomia e cerveja artesanal"? E que raio, haverá melhores presentes para oferecer a uma alma quase perdida?


Fábrica da Fermentage
Àquela hora não haveria por Lisboa sítio que melhor cheirasse do que a rua Capitão Leitão, grelhadores ao rubro à porta das cervejeiras e era ver o povo saciando-se de hamburgueres, burritos ou quesadillas, chicken kebabs, tacos de porco, sandes de pernil e o mais que houvesse, que a fome, tal como o sonho e o desejo de paz, não tem país, nem cor, nem raça, nem credo... Por instinto comecei pela Fermentage, uma das quatro cervejeiras artesanais que compõem o Lisbon Beer Department, e aí, entre a lenta degustação de uma "Dos Diabos", uma cerveja preta tipo "imperial porter" com 9,1%, e a actuação dos "Ola Haas", fui  transportado para um estado etéreo ao som de um embalador punk-rock, senti-me leve e a pairar, liberto das preocupações mundanas a tal ponto que até me esqueci completamente do derby para a desprezada Taça da Liga que iria começar daí a pouco...
Ola Haas

É hora de sair e demandar a Dois Corvos mas, ainda com os diabos à volta na cabeça, faço uma pequena paragem forçada e a custo, até porque detesto visceralmente as wc portáteis de plástico, mas estas, colocadas pela organização do evento logo à porta dos locais de culto surpreendem-me pois estão limpas, não fedem a urina e ainda por cima estão bem abastecidas de imaculado rolo higiénico e toalhetes, para além de serem gratuitas, à semelhança aliás de todos os eventos... A azáfama por aqui é maior até porque o espaço aberto ao público também o é, ainda famílias petiscam na esplanada e na zona de restauração quando entro em busca do palco improvisado onde em breve iriam actuar os Sunflowers, banda nortenha que prometia agitar a cena com o seu explosivo punk-rock, e caros amigos, as expectativas não foram defraudadas...
Sunflowers
Volto a pegar no meu copo para abastecer e isso dá-me gozo pois os 3 euros que paguei por ele, quantia que me faria regatear em qualquer compra de supermercado, aqui tem outro valor ao contribuir para a oferta de cabazes alimentares a pessoas em situação de vulnerabilidade económica ou de exclusão social, missão a cargo do Centro Porta Amiga de Chelas... Desta vez atesto com uma Dois Corvos - Birra de Inverno, uma winter ale com 6% de intensidade, para estabilizar... É novamente hora de partir, desta vez em busca da Musa onde os minhotos Glockenwise prometem deitar a casa abaixo com o seu rock contagiante, eles que nos ofereceram um dos melhores álbuns da música portuguesa dos últimos tempos...

Glockenwise
E sem surpresa, quando chego quase em cima da hora à Rua do Vale Formoso espera-me uma fila que aguarda para poder entrar e não tardou muito até ouvir o diligente segurança a avisar as pessoas atrás de mim que o recinto estava cheio e que não poderia deixar entrar ninguém a não ser que alguém saísse, mas pensei eu, quem iria querer sair? A custo lá me cheguei à boca da cena e consegui assistir ao show embora um pouco distante, mas aprendi a lição, para o ano não facilitarei, há que chegar bem cedo para reservar lugar pois o "Ouro, Incenso e Birra" já é um caso sério... 

João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)

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