sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

 
TROMSØ: BENVINDO AO ÁRTICO!

TROMSO, com cerca de 40000 habitantes, é a maior cidade do norte da Noruega e, consequentemente, a última grande cidade antes do Polo Norte, do qual dista apenas 2000 quilómetros; está situada 300 e poucos quilómetros acima do paralelo 66 que delimita o Círculo Polar Ártico e devido à sua localização e cenário natural é considerada a capital da aurora boreal na Europa, atraindo por isso milhares de turistas...

"Fjellheisen sob neve" - Jean-Charles Forgeronne

Mas há mais vida em Tromso do que as auroras e, acabadinhos de chegar e ainda a algumas horas da expedição de caça às luzes, lá fomos explorar os encantos da cidade, começando pelo Fjellheisen, o teleférico que nos leva até ao topo da montanha e de onde, a 421 metros de altitude, somos presenteados com uma vista espectacular sobre a cidade...

"A Catedral do Ártico" - Jean-Charles Forgeronne

Depois do regresso à base é obrigatória a visita à Catedral do Ártico, a meia dúzia de passos, a catedral mais ao norte do mundo, construída em 1965 e de arquitectura moderna, pequena mas encantadora... Vista lá de cima da estação superior do Fjellheisen fez-me lembrar imediatamente a ópera de Sidney e mais tarde, ao navegar por sites turísticos, descobri que essa associação acontece com mais gente tantas são as referência a isso... Templo visitado, é hora de rumar à ilha Tromsoya, a qual na sua parte leste abriga  a maior parte da cidade, e para isso nada melhor do que atravessar a ponte a pé...

"Noite ártica" - Jean-Charles Forgeronne

No regresso, já noite bem escura, fazendo o percurso inverso para a margem continental, para a parte da cidade chamada Tromsdalen, a visão da ponte ondulante e da Catedral do Ártico iluminadas com a montanha ao fundo é simplesmente arrebatador... 

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

 
ENCONTRO IMEDIATO DE TERCEIRO GRAU! 

Vindos do Vingelandsparken, saímos do confortável eléctrico e entramos agora em plena Aker Bryggue, em tempos idos o principal porto da cidade mas agora uma das zonas mais atractivas com modernos blocos de habitação, escritórios e espaços comerciais, e que fique bem claro para memória futura, escrevo isto ainda embriagado com as estátuas do parque mas também pelas notícias on-line de que dão conta da excelente prestação da selecção portuguesa de andebol, a qual está a fazer um figuraço no mundial que está a decorrer precisamente em... Oslo! E eu aqui, sem saber e sem bilhetes!? Como é possível? Imperdoável!
Mas eis que chegados a uma pequena praça, mais a jeito e em termos lusitanos como que o largo principal do bairro ou da aldeia, inevitavelmente abro a boca de espanto: uma enorme criatura, aparentemente um ser vindo do espaço, um astronauta com uns 7(!) metros de altura e quase tonelada e meia de fibra de carbono que nos esmaga... "Que é isto?", interrogamo-nos...

"What's next", Oslo - Jean-Charles Forgeronne

Bem, "aquilo" é simplesmente um dos cinco gigantescos seres vindos de outra galáxia a bordo da nave de Brendan Murphy e que aterraram, para já, por cinco locais do mundo-cão, a saber Antígua, Londres, Dubai, Perth e exactamente aqui onde me encontro, literalmente por cima de mim, Oslo! Inaugurado em Novembro de 2023, este astronauta norueguês faz parte da série Boonji Spaceman do artista americano e que promete não ficar por aqui, certamente um dia destes mais destas criaturas invadirão este planeta a uma escala global, quem sabe se uma delas não aterrará mesmo por Valmedo... 

João Plástico
(Artista de Valmedo)

"O guardião do Palácio Real de Oslo" - Jean-Charles Forgeronne

 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025


 UMA VIDA INTEIRA NO PARQUE


O VIGELANDSPARKEN, ou PARQUE VIGELAND, uma das mais populares atracções turísticas de Oslo e da Noruega, recebe mais de um milhão de visitantes por ano, número que não surpreende depois de conhecer a sua história... Tudo se deve a Gustav Vigeland, um arquitecto que um dia decidiu criar esculturas ao ar livre no jardim da sua casa e assim passou 20 anos esculpindo e trabalhando na obra da sua vida, hoje o seu antigo jardim familiar é apenas uma parte de um imenso parque com uma extensão de 32 hectares...

" Monolitten" - Jean-Charles Forgeronne

Hoje, pelo imenso parque estão espalhadas mais de 200 (!) esculturas da autoria de Vigeland, em granito, bronze ou ferro forjado, todas elas figuras humanas que representam o ciclo de vida de uma pessoa e que expressam as inúmeras situações e emoções ao longo da existência, desde o nascimento até à morte...  A escultura mais famosa, até pela sua imponência, é o MONOLITO, uma obra esculpida num único bloco de granito com 17 metros de altura e que contém 121 figuras humanas entrelaçadas, esvoaçando em busca da ressurreição e da eternidade, dizem... 

"O menino birrento" - Jean-Charles Forgeronne 

Quem nunca fez uma enorme birra, chorando baba e ranho, de braços armados e esperneando? Pois bem, o Sinnataggen, ou seja o "menino zangado", é uma das mais controversas estátuas do parque e pelos vistos incomoda muita gente, já foi vítima de vários roubos, já foi encontrado várias vezes no caixote do lixo, até já o pintaram de cor-de-rosa, mas felizmente sempre foi recuperado e lá se encontra em toda sua birrenta expressão, para nosso contentamento...

"Família" - Jean-Charles  Forgeronne

Mas o parque é muito mais do que muitas esculturas, é um mundo à parte onde se unem harmoniosamente arte e natureza, e tivemos nós muita sorte com a manhã de sol invernal que acabou por realçar a neve que tudo cobria, daqui a uns meses será outra realidade, será um outro parque, reinventado como se faz amiúde com a vida, um parque primaveril cheio de outros encantos, por exemplo lagos com patos e cisnes, quem sabe se veredas de um verde exuberante que convidam a um passeio para expurgar as angústias... Afinal, há várias vidas numa vida...

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

domingo, 26 de janeiro de 2025

 
SALMÃO À CHEF RATÃO


As migrações do salmão são dos fenómenos mais extraordinários que ocorrem na natureza deste mundo-cão, desde o rio onde nasce até às regiões árticas do Atlântico Norte esta indómita criatura, apesar dos inúmeros obstáculos que encontra pelo caminho, chega a percorrer 5500 quilómetros! Claro que muitos salmões não têm sucesso e ficam pelo caminho, ou por exaustão, ou por ferimentos ou então na boca de um urso mas aqueles que chegam lá acima, quando aptos para a reprodução voltam à aventura e fazem o caminho inverso, até ao local exacto do rio onde nasceram, aí desovam e aí morrem, essas duas migrações que fazem em vida permitem a perpetuação da espécie, neste caso da Salmo salar...
Ora, estes lombos de salmão que agora tenho aqui na minha bancada da cozinha também fizeram uma grande viagem, desde os tanques de aquacultura da Noruega até aqui fizeram, pelo menos, 3000 quilómetros, por isso vou tentar respeitá-los ao máximo e confeccionar coisa que os dignifique...

SALMÃO À CHEF RATÃO  

Ingredientes:
- lombo de salmão da Noruega, sem pele, (1 por pessoa);
- sumo de 1 laranja;
- 1c.chá de alho em pó;
- 1c.chá de gengibre em pó;
- 3 c.sopa  de molho de soja;
- 1 c.sopa de mel;
- 500 grs de couves-de-bruxelas;
- azeite, q.b;
- 3 dentes de alho picados;
- 100 grs de queijo-da-ilha ralado;
- 1 c. chá de ervas-de-provença;
- pimenta preta e sal, q.b;
-  salsa, a gosto;

Pronto para o forno

Preparação:
- Num recipiente que possa ir ao forno colocar o salmão, o sumo de laranja,
o alho e o gengibre em pó, o molho de soja de soja e o mel;
- envolver tudo muito bem e levar a marinar no frigorífico pelo menos 1 hora;
- noutro recipiente colocar as couves-de-bruxelas cortadas longitudinalmente ao meio;
- juntar o azeite, o alho picado, as ervas-de-provença, o queijo ralado, temperar com sal e pimenta;
- levar os dois recipientes ao forno a 200ºC durante 30 min;
- servir as couves polvilhadas com salsa fresca;


Hoje, este repasto especial merece ser regado com uma cerveja especial, preta, liga bem com o gengibre e com o molho de soja...
Et bon appetit!

João Ratão
(Chef de Valmedo)

sábado, 25 de janeiro de 2025


TASCAS E ANTROS DE PRAZERXXXV

SALMÃO, O REI DA NORUEGA

Dizem que o melhor bacalhau do mundo é aquele que é pescado nos mares da Noruega, país que sem surpresa é o maior exportador mundial e sem surpresa também o seu melhor cliente é Portugal, de resto os portugueses são os maiores consumidores mundiais de bacalhau, cerca de 6000 quilogramas por ano por habitante... Para os noruegueses, no entanto, o peixe preferido é o salmão! Novamente sem surpresa, a Noruega também é o maior produtor mundial de salmão, cerca de 70% deste peixe que é consumido em todo o mundo provem das águas frias dos mares da Noruega, quase todo de aquacultura! 


Em Oslo, um lugar de culto para os apreciadores de bom salmão é "THE SALMON", fácil de encontrar para quem passeia descontraidamente por Aker Brygge, contemplando o fiorde ao longe... Convém chegar cedo ou então a espera pode ser demorada, mas apesar de ser uma manhã de sábado tivemos sorte e arranjámos mesa em poucos minutos, coisa rara já que o sítio se tornou um local de romaria, especialmente para quem está de visita à cidade... 


Assim que nos sentamos oferecem-nos um jornal com notícias e informações sobre a indústria do salmão e, nas páginas centrais, o menu... Depois é só escolher, há salmão para todos os gostos, fresco ou fumado em várias opções, em salada, em modo tártaro ou então em modo sushi, mas para os apreciadores é obrigatório umas ostras como entrada, e não é preciso exagerar, vêm duas peças para cada pessoa, ao natural ou então com condimentos diversos...


Aqui o salmão é de facto delicioso, quer na vertente fumada como na fresca, vê-se que foi confeccionado com carinho...  Mas o "The Salmon" é mais do que um restaurante, enquanto se espera por mesa ou depois do repasto é possível ter uma experiência interactiva numa sala ao lado, num pequeno auditório onde se passam imagens e conhecimentos sobre a aquacultura e a vida do salmão, e se for necessário há sempre um guia disponível para esclarecer dúvidas...


João Ratão
(Chef de Valmedo)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

 

MUITO MAIS QUE UMA CÂMARA MUNICIPAL!


As surpresas por Oslo continuam a uma cadência inesperada, agora estou a olhar, certamente com ar aparvalhado, para a Câmara Municipal, ou antes para a City Hall, como consta dos guias turísticos, e não é caso para menos, vejo duas enormes torres que ladeiam o corpo principal do edifício, revestidos a tijolo, e este conjunto atrai fortemente a nossa atenção pela cor que ostenta e que varia consoante a luminosidade desde o ocre, o pigmento mais utilizado ao longo dos séculos pois significa uma ligação à terra e à arte dos antepassados, ao vermelho, símbolo do poder, da energia e da paixão...  


Não teve uma vida fácil este singular edifício, demorou  19 anos a ser construído, entre 1931 e 1950, embora com as obras interrompidas durante a II Guerra Mundial, e quando finalmente ficou pronto foi alvo da ira dos habitantes da cidade que abominaram o estilo da construção! Mas o tempo tudo muda, ano após ano o City Hall tornou-se um lugar obrigatório de visita e hoje é simplesmente uma atracção turística incontornável...   


O hall de entrada é absolutamente extraordinário, não só em tamanho e luminosidade como pelos gigantescos murais que o ornamentam, é aqui que ocorre a cada 10 de Dezembro a entrega do Prémio Nobel da Paz, nos outros dias e especialmente aos fins-de-semana é comum haver por ali casamentos, sim, é a casa do povo, aberta a todos e não apenas aos autarcas...


Depois, e gratuitamente, é possível a qualquer um passear pelas enormes salas, algumas delas absolutamente deslumbrantes, atravessar o hemiciclo onde ocorrem as assembleias municipais e ainda, das enormes janelas viradas a sul, contemplar o fiorde de Oslo, quiçá o pôr-do-sol...

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

 

"Oslo from the sea"

Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

 
CRIATURAS NA NEVE

Oslo encontra-se completamente revestida de neve, nalguns sítios de gelo, mas isso não impede a surpresa de, ao virar de uma esquina, numa tranquila praça, encontrarmos cavalos em plena rua, desfrutando do débil calor do sol...


Outra criatura se cruza connosco um pouco adiante, um corvo atravessa o parque num elegante passo que parece estar desfilando numa passerelle...


O sol por aqui nem sempre é visto, é uma autêntica dádiva dos deuses e quando aparece é por pouco tempo, por isso quando se põe, bem cedo, toda a gente se quer despedir dele em agradecimento pela sua visita, até os milhares de gaivotas que por aqui moram...


E até aqueles que já partiram para o outro lado deixaram a sua memória embrulhada na neve, por aqui os cemitérios têm outro encanto... 


JoãoPalmilha
(Viajante de Valmedo)
 
OSLO, A COLINA DOS DEUSES


"Central Station"
Fundada ainda na era viking, no ano 1000, então com o nome de Ánslo, a capital da Noruega só passou a chamar-se OSLO a partir de 1925 e o seu breve nome significa em nórdico ancestral "a colina dos deuses"... No entanto, durante 301 anos, Oslo chamou-se Christiania (ou Kristiania) em honra de Christian IV, o rei que reconstruiu das cinzas a cidade arrasada por um terrível incêndio em 1624...
Mas outro nome ainda foi dado a Oslo, Tigerstaden, a "Cidade dos Tigres", depois de assim lhe ter chamado num poema uma ilustre figura da cultura norueguesa, Bjorntjene Bjonson... Nesse poema ocorre uma luta entre um cavalo e um tigre, o primeiro representando o mundo rural e pacífico e o segundo a cidade fria e perigosa, Oslo... 

"O Tigre"

Não admira pois que ao sair da Estação Central de Oslo sejamos surpreendidos por um enorme e ameaçador tigre em plena praça, de resto e ao que parece o único tigre que existirá na cidade...

"Christian IV"

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

 UMA MULHER DESTEMIDA

O frio e a neve não assustam aqui por Oslo, que o diga esta corajosa mulher que apesar das circunstâncias teima em exibir a sua bela nudez por vários cenários da cidade... Por exemplo, aqui logo pela manhã, em versão carrapito, em plena Karl Joahans Gate...


Mais tarde, junto ao cais, apanhando sol após a obrigatória sauna... 


E ainda em modo tropical, num canto de Aker Brygge, outrora o porto principal da cidade e hoje uma zona residencial belíssima com muita oferta, desde lojas e restaurantes a museus... 


João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

 A IMPORTÂNCIA DA PRIMEIRA IMPRESSÃO

Apetece-me dizer que a primeira impressão comanda a vida, ela, a impressão primeira, pode ditar, e bastas vezes dita, o valor de uma pessoa, de uma experiência, de um dia, de um sonho... Estou em Oslo, debaixo de um frio de congelador e de um céu cinzento e triste que tudo abafa e, no entanto, sinto-me bem, reparo até que ostento um sorriso que destoa do semblante de quem se cruza comigo nesta lindíssima Karl Joanhs Gate, que traduzido à letra é a minha rua, e muita desta gente que por aqui deambula interrogar-se-á do motivo que me leva sorrir, sofrerá ele de espasmos, questionarão uns, não baterá bem da cabeça, afiançarão outros, mas indiferente a tudo isso lá continuo eu, sorrindo e feliz, tudo por causa de uma excelente primeira impressão...  



Tudo começou quando logo após sair do avião fui em busca de um ponto de abastecimento de água e qual não foi a minha surpresa quando, a quase 3000 quilómetros de casa, li em bom português a palavra água afixada na parede, logo a seguir à vann norueguesa, à water inglesa e à eau francesa... E questionei-me: será por causa da estreita relação secular entre a Noruega e Portugal por causa do bacalhau? Ou será por causa dos cerca de 9000 portugueses que residem e trabalham na Noruega, muitos deles na indústria do fiel amigo?


Garrafa cheia virei costas e quase tropecei num quadro de Munch! Não, não é "O Grito", mas ali, em pleno aeroporto de Oslo, para quem repara, porque são mais os alheados que seguem em frente do que os que entendem a benesse, reside uma obra de Munch, "Waves breaking on the rocks", e pasme-se, é o original! Assim mesmo, o maior pintor norueguês ali, sem necessidade de o ir ver ao museu, que melhor cartão de visita? E que melhor primeira impressão se pode ter quando ainda nem sequer saímos do aeroporto?



Depois ainda somos presenteados pela simpatia de uma jovem funcionária que nos ajuda a comprar os bilhetes do Flytoget, o comboio expresso que nos leva do aeroporto até à Estação Central de Oslo em vinte minutos, confortável, silencioso, ultra-moderno, e de quinze em quinze minutos... Tirando o preço, que aqui pela Noruega não existe coisa barata, não seria boa ideia de, para além do bacalhau, pois claro, Portugal importar também estes comboios eficientes, ainda para mais quando a obsoleta ferrovia lusitana é um assunto quase diário e recorrente? 

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

terça-feira, 14 de janeiro de 2025


E a caminho do "Ouro, incenso e birra" ainda somos surpreendidos por uma das mais recentes obras de Bordallo II, uma libelinha gigante em plena selva de cimento... 


"Plastic dragonfly" - Bordallo II

"On the way"

Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

domingo, 12 de janeiro de 2025

 
OURO, INCENSO E BIRRA!

Ontem quem deambulasse por Marvila poderia sentir-se em Jerusalém tanta foi a peregrinação pelas suas ruas e becos, almas e mais almas em busca da salvação, nas mãos seguravam-se copos solidários de mirra milagrosamente transformada em birra e dos seus olhos emanava-se um brilho de esperança num mundo melhor e mais justo... E ninguém trazia presentes, até porque o ouro está caro e o incenso não é coisa que se apresente, o que valeu é que se assistiu a um verdadeiro milagre: então não é que os presentes que era suposto receber nesta celebração de reis-magos, "ouro, incenso e mirra", se transformaram em "música, gastronomia e cerveja artesanal"? E que raio, haverá melhores presentes para oferecer a uma alma quase perdida?


Fábrica da Fermentage
Àquela hora não haveria por Lisboa sítio que melhor cheirasse do que a rua Capitão Leitão, grelhadores ao rubro à porta das cervejeiras e era ver o povo saciando-se de hamburgueres, burritos ou quesadillas, chicken kebabs, tacos de porco, sandes de pernil e o mais que houvesse, que a fome, tal como o sonho e o desejo de paz, não tem país, nem cor, nem raça, nem credo... Por instinto comecei pela Fermentage, uma das quatro cervejeiras artesanais que compõem o Lisbon Beer Department, e aí, entre a lenta degustação de uma "Dos Diabos", uma cerveja preta tipo "imperial porter" com 9,1%, e a actuação dos "Ola Haas", fui  transportado para um estado etéreo ao som de um embalador punk-rock, senti-me leve e a pairar, liberto das preocupações mundanas a tal ponto que até me esqueci completamente do derby para a desprezada Taça da Liga que iria começar daí a pouco...
Ola Haas

É hora de sair e demandar a Dois Corvos mas, ainda com os diabos à volta na cabeça, faço uma pequena paragem forçada e a custo, até porque detesto visceralmente as wc portáteis de plástico, mas estas, colocadas pela organização do evento logo à porta dos locais de culto surpreendem-me pois estão limpas, não fedem a urina e ainda por cima estão bem abastecidas de imaculado rolo higiénico e toalhetes, para além de serem gratuitas, à semelhança aliás de todos os eventos... A azáfama por aqui é maior até porque o espaço aberto ao público também o é, ainda famílias petiscam na esplanada e na zona de restauração quando entro em busca do palco improvisado onde em breve iriam actuar os Sunflowers, banda nortenha que prometia agitar a cena com o seu explosivo punk-rock, e caros amigos, as expectativas não foram defraudadas...
Sunflowers
Volto a pegar no meu copo para abastecer e isso dá-me gozo pois os 3 euros que paguei por ele, quantia que me faria regatear em qualquer compra de supermercado, aqui tem outro valor ao contribuir para a oferta de cabazes alimentares a pessoas em situação de vulnerabilidade económica ou de exclusão social, missão a cargo do Centro Porta Amiga de Chelas... Desta vez atesto com uma Dois Corvos - Birra de Inverno, uma winter ale com 6% de intensidade, para estabilizar... É novamente hora de partir, desta vez em busca da Musa onde os minhotos Glockenwise prometem deitar a casa abaixo com o seu rock contagiante, eles que nos ofereceram um dos melhores álbuns da música portuguesa dos últimos tempos...

Glockenwise
E sem surpresa, quando chego quase em cima da hora à Rua do Vale Formoso espera-me uma fila que aguarda para poder entrar e não tardou muito até ouvir o diligente segurança a avisar as pessoas atrás de mim que o recinto estava cheio e que não poderia deixar entrar ninguém a não ser que alguém saísse, mas pensei eu, quem iria querer sair? A custo lá me cheguei à boca da cena e consegui assistir ao show embora um pouco distante, mas aprendi a lição, para o ano não facilitarei, há que chegar bem cedo para reservar lugar pois o "Ouro, Incenso e Birra" já é um caso sério... 

João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)


ESCRITO NA PAREDE - XXXIX



 

APANHADO NA REDE - V


Fonte: "Filhos da Terra"

 LENDAS E NARRATIVAS - XXV

ERAM REIS? ERAM MAGOS? ERAM TRÊS?

Mas que bela história de encantar esta a dos supostos três reis magos que vieram lá do cu de Judas (e que se saiba não é aquele de São Miguel nos Açores) para adorar com as suas oferendas o recém-nascido rei dos Judeus que dormia serenamente numa manjedoura, guiados por uma miraculosa estrela... 
Ora, tendo fé no Evangelho segundo São Mateus (2,1), escrito mais de 70(!) anos após a morte de Cristo, nele consta apenas o seguinte: "Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente", não referindo que eram reis, nem quem eram nem quantos eram, apenas assume que eram magos...
Mas, coisa extraordinária e muito comum na Igreja Católica, sempre mestra em adornar acontecimentos e transformar tudo o que é pagão em milagre cristão, só passados 600(!) anos após o nascimento de Jesus é que alguém pio e sábio da Igreja (suspeita-se de Tertuliano) chegou à divina e incontestável conclusão que aqueles magos eram "quase reis", e assim se criou mais uma verdade divina, passaram a ser chamados de reis magos!
Segundo os estudiosos e entendidos no assunto e quanto ao facto de os intervenientes nesta fábula serem magos também é preciso ter em conta que naquela época e naquela região do mundo-cão chamava-se magos às pessoas sábias e eruditas, especialmente as que conheciam e professavam sobre os corpos celestes, magia ou milagres era coisa que não faziam!


Para cúmulo, só passados 800(!) anos depois do evento é que outra sumidade da Igreja foi iluminada e anunciou ao mundo que afinal tinham sido 3 os tais reis magos, nem mais nem menos, o tal número bastante conveniente para fazer pandã com a inevitável Santa Trindade, e assim ficou decretado e validado como verdade cristã insofismável, e ai de quem não cresse, a fogueira não crepitava longe... E foi também por esta altura que se achou necessário baptizar os famosos reis magos, até aí eram anónimos, talvez um pecado, e então anunciaram-se Belchior, "rei" da Pérsia e que ofereceu o ouro, Gaspar, "rei" da Índia e que ofereceu incenso e finalmente, mas não menos importante, Baltasar, "rei" da Arábia e que ofereceu mirra...
Quanto às oferendas parece normal presentear com ouro, ainda hoje o fazemos, o incenso já destoa um bocadinho mas faz sentido, pelo menos purificava o ar do estábulo, agora que raio, mirra? A mirra é uma planta áspera e espinhosa e cuja principal utilidade naquele tempo era o óleo que dela se extraía  e com o qual os Egípcios embalsamavam os seus mortos, representava, portanto, a eternidade... Que raio tinha Baltazar na ideia, ainda o deus-menino tinha nascido e já lhe preparava o embalsamento? Baltazar, sem dúvida o mais interessante dos magos, aquele que afinal só no século XV é que a Santa Igreja descobriu que ele era de raça negra, passando desde então a ser representado como tal! Portanto, talvez nem reis, talvez nem magos, talvez nem três, mas mesmo assim comemoremos  o seu dia, ao menos ficam as prendas...


João Alembradura
(Historiador de Valmedo)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

 
SÓ É PRECISO TER LATA!

As conservas, de peixe e não só, são de uma utilidade e preciosidade às quais só damos a devida importância quando o mundo se vira do avesso, não é por acaso que em cenários de guerra ou calamidades como a última pandemia são o produto mais procurado devido não só à facilidade de utilização, a sua confecção exige poucos ou até nenhuns recursos, como também ao seu prazo de validade, disse alguém especialista no assunto que se uma lata de conserva de atum estiver em condições então ela dura indefinidamente... Por mera curiosidade, no período entre as duas guerras mundiais chegaram a existir em Portugal cerca de 400 fábricas de conserva! 
Mas é então tempo de dar uso à lata:



"Prontas para gratinar"

ATUM NA LATA COM QUEIJO DA ILHA

Ingredientes:
- Latas de atum (1 por pessoa);
- cebola picada (1 colher sopa por lata);
- dentes de alho picado (1 por lata); 
- bacon picado (1 colher de sopa por lata);
- tomate pelado aos cubos (1 por lata);
- azeite, qb;
- sal marinho, pimenta preta e canela moída, q.b;
- salsa picada, q.b,
- queijo da ilha ralado, q.b;

Preparação:

- num fio de azeite refogar a cebola e o alho;
- juntar a folha de louro, o bacon, a canela e a pimenta;
- mexer e deixar cozinhar lentamente em fogo médio durante 5 min;
- juntar o tomate, temperar com sal, envolver e deixar apurar mais 5 min;
- escorrer o excesso de molho das latas calcando bem o atum,
- colocar o refogado sobre o atum, preenchendo bem toda a lata,
- polvilhar com o queijo da ilha e levar ao forno a gratinar;
- antes de servir polvilhar com salsa picada a gosto;

E pronto, nada mais fácil e delicioso, pode servir mesmo na lata ou transferir para o prato, como acompanhamento sugiro batatas, fritas, bravas ou rústicas, como lhe apetecer...  

Bon appetit,


João Ratão
(Chef de Valmedo)

domingo, 5 de janeiro de 2025

 
CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - LIII

QUEM TEM LATA SAFA-SE!

Já a noite ia caindo quando fugi da Fortaleza de Peniche em direcção ao Cabo Carvoeiro para a obrigatória volta ao redor da península, a Nau dos Corvos resumia-se a uma silhueta escura na bruma, já era preciso um esforço para vislumbrar os contornos das Berlengas e ao passar pela Papôa lembrei-me que tinha que passar pelo supermercado para me abastecer de uns víveres para a confecção do jantar, que essa coisa de ser chef  lá em casa não é fácil...
E agora aqui estou, alheado da azáfama com que uma multidão faz as compras de última hora como se o mundo fosse acabar em breve, tenho uma lata de conserva na mão e penso em quanta história nos pode ela contar; a lata, que contém uma posta de atum selvagem, é da Ramirez, simplesmente a mais antiga conserveira de peixe do mundo, em funcionamento há 171 anos e que é uma empresa bem portuguesa, foi fundada em Vila Real de Santo António por um espanhol, Sebastian Rodriguez, e que hoje, passadas 5 gerações ainda é liderada pela família...



A empresa expandiu depois a sua actividade ao implementar fábricas em Leça da Palmeira e aqui em Peniche, ambas encerradas em 2014 devido à concentração da sua actividade numa fábrica mais moderna e ecológica na Lavra, Matosinhos, e talvez isso tenha contribuído para que hoje se respire por aqui um ar mais saudável, aquela pestilência que nos assaltava os sentidos quando passávamos a rotunda da Nossa Senhora da Boa Viagem deixou de existir...
Depois vem-me à lembrança uma curiosidade que descobri há pouco na visita que fiz ao Museu da Liberdade e Resistência: utilizavam-se latas de conserva para o envio de comunicações clandestinas para os presos políticos detidos no forte! 

Conteúdo: atum e mensagem secreta!

É verdade, as mensagens eram colocadas no fundo da lata, cobertas com o atum ou a sardinha e depois a tampa era soldada... Ao destinatário bastava desacoplar a chave e abrir a lata, coisa que caiu em desuso pois na década seguinte a Ramirez, desafiada por um importante cliente, introduziu a nível mundial as latas de abertura fácil, ou seja, implementou aquela argolinha com que hoje em dia abrimos qualquer lata de conserva... 
E pronto, sigo viagem e com uma ideia para o jantar: atum em conserva!

João Ratão
(Chef de Valmedo)