O METROPOLITANO INVISÍVEL...
Quarto incidente transfronteiriço:
Após duas horas e picos por autoestrada a viagem desde Bratislava estava a chegar ao fim, adivinhava-se a estação de autocarros de Nepliget mesmo lá ao fundo porque já se vislumbravam as bancadas do estádio de futebol onde joga o popular Ferencvaros e que João Palmilha sabia ter sido construído mesmo ao lado, arrumou ele na mochila o seu bloco de notas e o guia de viagem que tinha vindo há algum tempo a rever e murmurou para si próprio "tudo sob controlo", suspirou fundo e enquanto desejava que mais nenhum imprevisto pudesse causar stress naquela aventura ia revendo mentalmente os próximos passos a dar: antes de mais encontrar uma caixa multibanco para levantar florints, comprar os bilhetes para o metro e apanhar a linha 2 até à estação da Luísa, que é como quem diz, Blaha Lujza, situada a poucos metros do alojamento, fazer o check-in, arrumar a bagagem e sair à descoberta de BUDAPESTE que ainda o dia não ia a meio...
"O velho metro" - Photo by Budapesty Journal |
- Sabes que não tarda nada vamos viajar num dos metropolitanos mais antigos do mundo, inaugurado em 1896 por ocasião dos mil anos de existência da Hungria? De facto, é o sistema de transporte subterrâneo mais antigo da Europa continental e só os de Chicago e Londres lhe são anteriores e parece que tem estações lindíssimas, portanto prepara-te... - disse entusiasmado Palmilha para a Maria enquanto tentava em vão convencer a máquina a dar-lhe dois bilhetes... - Mas que merda?
- Que foi?
- Então agora esta porcaria não me aceita as notas! - vociferou Palmilha olhando para o enorme maço de notas que tinha na mão, milhares e milhares de florints que cabiam em duas notas de 20 euros mas que não lhe serviam de nada, a máquina exigia notas de menor valor ou moedas, tinha que arranjar trocos... Felizmente que em frente havia uma loja de conveniência e lá foi comprar a primeira coisa útil que viu, uma embalagem de frutos secos, escolheu a nota mais pequena e recebeu de troco uma grosa de pesadas moedas e então lá voltou à estúpida máquina...
Finalmente de bilhetes na mão lá desceram nas escadas rolantes para o piso inferior e aí Palmilha ficou um pouco confuso, nada de linha do metro, nada do característico barulho das carruagens a chegar ou a partir, apenas um átrio com várias saídas, pessoas autómatas a irem e a virem, todas orientadas e seguras do seu trajecto e agora punha-se a questão: "Mas onde raio está o metro?".
-Calma, olha para o chão... - disse Maria, zombeteira.
No chão lá estavam então de metro a metro pegadas autocolantes a orientar os passageiros para a estação do metro, com setas a condizer e tudo, afinal a coisa compunha-se, lá seguiram a direcção indicada mas surpreendentemente deram por eles a subir outras escadas até à superfície, estavam novamente em plena rua, estação de Nepliget atrás e estádio ao lado, as pegadas continuavam pela passadeira dos peões até ao outro lado da avenida e que remédio, lá continuaram até que pararam estupefactos numa paragem de autocarro, nada de metro, uma simples paragem de autocarro!
-Só podem estar a gozar, f*da-se! - gritou Palmilha não aguentando mais... " O mundo às vezes é mesmo cão!", pensou enquanto olhava para um lado e para o outro, nada de entradas subterrâneas com placas indicadoras de metro, apenas as pegadas que inexplicavelmente paravam ali. Vinha a chegar um autocarro que parou naquele exacto sitio, saíram duas ou três pessoas e o motorista ainda olhou para eles um instante antes de arrancar não sem antes Palmilha reparar numa placa a informar "in substitution of Metro"... Foi então que reparou num papel colado na paragem que em bom inglês informava que a linha do metro estava encerrada para obras e que as viagens eram asseguradas por autocarros...
"O cão no metro" - Kossuth ter, Budapeste - Jean-Charles Forgeronne |
Entraram no autocarro seguinte, validaram os bilhetes, acomodaram-se o melhor que puderam e lá seguiram viagem, Maria olhando para Palmilha, este olhando para todo o lado, especialmente para as ininteligíveis informações electrónicas que eram lançadas a cada paragem, aqueles termos húngaros eram demais, também não tinha tempo e devido aos solavancos da viatura demasiado voraz nem havia condições para tirar da mochila mapas e notas, bem olhava ele lá para fora à procura de um ponto de referência mas nem rio, nem monumentos, nem nada, eram só avenidas e boulevards uns a seguir aos outros e o melhor era mesmo deixarem-se ir... Mas Palmilha havia reparado entretanto com alívio que o destino daquele autocarro-metropolitano era a Erzsébet ter, uma praça importante e que constava da sua lista obrigatória de visitas, ademais era dali que partiam os autocarros directos para o aeroporto, assim, do mal o menos, ficava já referenciada e ainda por cima lembrava-se bem das suas pesquisas que dali até casa bastava subir a rua Király... Difícil foi depois explicar à Maria o porquê de terem de percorrer quilómetro e meio a pé de bagagem às costas, com a fome a apertar e duas preciosas horas de tempo perdido para compensar, tudo culpa de um metropolitano desaparecido...
João Pena-Seca
(Escritor de Valmedo)
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