sábado, 19 de dezembro de 2020

 

JEAN-JAQUES, JOHN JAMES...


O que não falta por aí são vidas ordinárias, desinteressantes e inócuas, criaturas egoístas que se limitam a comer, beber, dormir e a matar o tempo, de preferência sem chatices nem grandes trabalhos mentais, movidas pelos pequenos prazeres mundanos, sem qualquer preocupação com os outros e com o mundo e cuja principal herança que deixam quando partem se limita à sua pegada ambiental... Mas embora cada vez seja mais uma raridade ainda vão aparecendo algumas personagens absolutamente deslumbrantes que desafiam o medíocre destino e escrevem histórias de vida absolutamente extraordinárias como é o curioso caso de  AUDUBON, naturalista americano de origem francesa, bastardo nascido Jean-Jacques na República Dominicana em 1785, filho de um capitão da marinha mercante francesa e de uma mademoiselle que morreria pouco tempo depois ... O pai regressaria a França quatro anos depois com Jean-Jacques nos braços e este seria admitido na família e tratado sempre como um filho legítimo, até que aos 18 anos se viu forçado a fugir ao recrutamento para as tropas de Napoleão e assim regressou à América com a algibeira abonada pelo pai e com a missão de gerir os negócios de umas propriedades que a família ainda detinha em Filadélfia, traduzindo-se noutra pessoa: JOHN JAMES, o João Jaime lá do sítio...  


John James Audubon - 1841, John Woodhouse Audubon

Acontece que o nosso herói, Jean-Jacques Audubon, ou antes e agora mais propriamente Jonh James Audubon, não tinha o mínimo jeito para as finanças e gestão de negócios, era um zero à esquerda nessas matérias e já depois de mudado de armas e bagagens para o Kentucky levou praticamente os negócios familiares à falência! Desiludido, e não tendo gosto nem ossos para aquele ofício, depois de muitos trabalhos temporários para a subsistência, entre os quais o de taxidermista durante algum tempo, deixa a mulher a tomar conta da família e desata a percorrer os Estados Unidos inteiros com uma premente missão em mente: desenhar todas as aves da América até então conhecidas!  O nosso naturalista trabalhou incansavelmente mas não era assim tão ecologista quanto isso e embora se recusasse a pintar aves já empalhadas, gesto meritório e pouco usual para a época, não se pense que ele se limitava a sentar numa cadeirinha à espera dos bichos algures num recanto de um lago ou de um bosque e que depois demorava dias e dias a observá-los enquanto os ia pintando, não, ele simplesmente não tinha tanto tempo assim nem paciência, ele primeiro matava-os com a sua espingarda e depois, com a ajuda de arames armava-os numa posição natural e então sim, calma e eximiamente os pintava!




A vós que agora torceis o nariz perante esta traição tenho a dizer que eu o desculpo, mais que não seja pela obra gigantesca e maravilhosa que legou às gerações seguintes, e quero acreditar que ele afinal só matava um exemplar de cada espécie e por motivos científicos, não era um caçador compulsivo nem um serial-killer da natureza...


Em 1826, com 435 (!) magníficas pinturas prontas de outras tantas espécies de aves americanas tem outra desilusão, ninguém em Filadélfia ou em Nova Iorque quis publicar a sua obra "THE BIRDS OF AMERICA"... Resistindo a um sonho destruído, embarca para a Europa onde luta durante 3 anos pelo reconhecimento da sua obra e é então que na Inglaterra alcança finalmente o sucesso, o entusiasmo do rei Jorge IV contamina a corte e Audubon voltará à América coroado como cientista e pintor de eleição! Para quem esteve praticamente falido, é uma boa história para se contar aos netos, afinal a colecção das suas pinturas originais das aves americanas estão hoje avaliadas em mais de dez milhões de dólares...




João Atemboró
(Naturalista de Valmedo)   

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