terça-feira, 29 de dezembro de 2020

 

OS PAVÕES DA IDADE DO VIDRO...


René Lalique e uma das suas criações
- "Era bom era que fosse Lalique!", respondi à graça do homem do quiosque quando se debruçou sobre um caixote para de lá tirar uma pequena garrafa de vidro que me estendeu de sorriso aberto... 
 - Oferta da casa!
E dali saí, meio confuso e meio convencido de que o sujeito nem faria ideia de quem era o Lalique, afinal eu é que não estaria bom de cabeça ao chamar o assunto à baila, mas que dizer, neste final de ano atípico e pandémico não será assim tão grave cometer alguns deslizes e entabular diálogos sem nexo e que não lembram ao diabo, ou será? 
René LALIQUE, mestre vidreiro, artista e joalheiro que criou desde jóias a frascos de perfume, de vasos ornamentais a taças, de mascotes de automóveis a relógios e outros objectos do dia-a-dia, revolucionou por completo o quotidiano do vigésimo século... Conseguiu, afinal, juntar o glamour da peça preciosa ao objecto do dia-a-dia da classe média trabalhadora, revolucionária e sonhadora, tendo democratizado a arte e a distinção através da enorme criatividade e qualidade das suas peças...


A primeira e inocente vez que ouvi falar desta curiosa e grande personagem foi em casa da minha tia Jesuína, em plena Picheleira de Lisboa, gloriosos anos setenta do século passado e para onde eu era enviado nas férias grandes para uma terapia educacional que compensasse a frágil educação e cultura da minha natal aldeia ribatejana: de repente, uma bela manhã tinha-me caído um frasquinho de perfume do móvel da casa de banho quando ouço através da porta entreaberta e em tom apavorado: "Não! Cuidado, Carlitos! Isso é Lalique!" Passado o susto e o impacto da reprimenda, constatámos em simultâneo que a tal preciosidade perfumada tinha caído em muito boas mãos, que é como quem diz, em cima de um grosso tapete felpudo que lhe amorteceu a fatal queda... - "Graças a Deus!" - desabafou a minha tia -"Não imaginas a desgraça, se o teu tio chega logo a casa e vê o Lalique partido dava-lhe um treque!"  E eu, menino ainda, desde esse instante fiquei avisado: o que é LALIQUE é bom e fino!  


E essa expressão "Isso é Lalique!", sinónimo de distinção e classe perdurou até hoje, dia em que me apercebi que a Gulbenkian volta a mostrar ao público a fantástica colecção de obras de Lalique que possui, afinal Calouste foi o grande mecenas de Lalique, não só sempre o apoiou como lhe comprou a sua primeira obra e, mais tarde, ao longo da sua longa vida, lhe haveria de comprar mais de uma centena de obras! E um dos temas mais queridos e recorrentes do imaginário de Lalique são os PAVÕES, eles aparecem em jóias, sejam brincos ou colares ou pregadeiras, eles aparecem em vasos ou em abat-jours, em frascos de perfume ou em símbolos de automóveis, os pavões estão omnipresentes nas criações do grande artista!


Não é todos os dias nem todos os anos e até nem todas as décadas que é possível admirar mais de uma centena de criações do grande mestre  e reunindo as que fazem parte da Colecção do Fundador a outras vindas de outros museus e colecções privadas, aliás desde 1989 que a Gulbenkian não realizava uma exposição inteiramente dedicada a René Lalique... Aproveitemos então, coisa igual talvez só daqui a 30 anos!





João Plástico
(Artista de Valmedo)


Sem comentários:

Enviar um comentário