quarta-feira, 14 de outubro de 2020

 

EFEMÉRIDE # 81

O CONDE, A MÁQUINA E O BURRO...

Há precisamente 125 anos, corria o dia 14 de Outubro de 1895, teve início a primeira viagem de automóvel em Portugal!  E que aventura aquela, ninguém estava preparado para o evento, ninguém sabia o que era aquilo, para uns era uma espécie de locomotiva, os jornais da época falavam de um "trem a vapor", inclusive na alfândega gerou-se confusão porque ninguém arriscava dar um nome àquilo, seria uma máquina agrícola ou uma máquina movida a vapor? Resolvido o imbróglio, lá foram despachadas as peças numa galera para serem montadas numa oficina da rua dos sapateiros, na baixa lisboeta... Tudo desencaixotado e montado segundo o folheto de instruções que a acompanhavam ali estava a máquina pronta para funcionar: um "Penhard et Lavassor" de 1891! 


"Penhard et Levassor" - 1891

Mas os transeuntes que por ali passavam não conseguiam fechar a boca de espanto perante aquela esquisita carroça com uma manivela à frente, engenhoca que em segunda mão tinha sido importada de Paris por uma singular personagem, o conde d'Avilez, de Santiago do Cacém... O excêntrico conde, Jorge de Avilez, moço fidalgo íntimo da Casa Real e estimado por el-rei D. Carlos e pela rainha D. Amélia, era famoso por terras de Santiago devido não só ao seu temperamento impulsivo e nervoso capaz das reacções mais inusitadas mas também por causa da sua queda por aventuras desportivas, era comum encontrá-lo às voltas pelas redondezas a cavalo daqueles estranhos veículos de duas rodas, hoje chamados bicicletas mas que naquele final do século XVIII causavam muita estranheza... 


"4º Conde Avilez" - retrato, 1896

Mas, curiosamente, a famosa viagem esteve quase para não acontecer, tudo pronto, litros e litros de petróleo despejados para o depósito de combustível mas a coisa não queria pegar por mais à manivela que se desse! Já o desconsolado conde, de olhos esgazeados e braços levantados ao alto gritava "Porque raio não trabalha?" quando alguém lançou uma engenhosa solução: "Em vez de petróleo vamos deitar-lhe gasolina para dentro...".  E então, eureka, a coisa lá pegou, começou a viagem e até a máquina seria daí para a frente conhecida como o "GASOLINA", um automóvel com um motor Daimler de dois cilindros, rodas com aros de ferro, direcção comandada por cana de leme, quatro velocidades à frente e quatro velocidades atrás, travagem de pé à transmissão e de mão por calços de madeira às rodas traseiras, tudo numa estonteante velocidade máxima de 20 Kms à hora!       

Tudo somado, aqueles 140 Km que separam Lisboa de Santiago do Cacém e que hoje são vencidos em pouco mais de uma hora consumiram dois dias de viagem, a uma média de 15 Km/h, muito por culpa das deploráveis vias de circulação da época, já para não falar de outro inusitado incidente: logo no primeiro dia, atravessado o Tejo de barco até ao Barreiro e no caminho para Setúbal, onde seria a pernoita, ali para as bandas de Palmela atravessou-se um burro carregado de canas à frente da viatura, a alimária não se mexeu e nem se desviou um milímetro e o choque brutal foi inevitável! Foi o primeiro acidente de automóvel em Portugal, lamentando-se a morte do burro que no entanto foi bem compensada pela avultada indemnização que os donos receberam do condutor da estranha máquina, o Conde d'Avilez, estranha e infeliz criatura que viria a morrer apenas seis anos depois desta aventura vítima de tuberculose, aos 32 anos de idade... 
                                                                                
João Alembradura
(Historiador de Valmedo)

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