A TRADUÇÃO, A ANÁGUA E O SAIOTE...
Se a tradução poética da língua inglesa para a língua portuguesa já é por si complicada, que dizer da tradução a partir do dialecto escoçês em voga no século dezoito? Alguém dizia numa das últimas edições dos Livros a Oeste que a poesia tem que ser obrigatoriamente lida na língua original sob pena de se perder o significado e a simbologia das palavras, corre-se o risco com a tradução de transformar um poema noutro completamente diferente e geralmente sempre para pior...
A propósito de um saiote-espantalho que mora numa horta muros meios com uma seara de centeio e que vai ondulando ao sabor do vento do oeste, é inevitável vir à lembrança a obra-prima de J.D. SALINGER, com o título original de "The catcher in the rye", traduzido por uns como "À espera no centeio", por outros como "O apanhador no campo de centeio" ou ainda, e mais estranho porque não se acha nenhuma agulha e muito menos um palheiro em toda a obra, como "Uma agulha no palheiro", traduções para todos os gostos... Mas o que interessa aqui e agora realçar é que o título do romance surgiu a partir de um poema escrito em 1782 por ROBERT BURNS, "Comin' thro' the rye", e cuja variedade e livre estilo das suas traduções são bem capazes de levar uma santa alminha ao mais puro desespero, isso se não morrer de riso antes!
Fica-se surpreendido quando vamos ao encontro de Robert Burns, e normalmente faz-se o caminho pelas referências na obra de Salinger, é que ele não se revela afinal um ilustre desconhecido mas antes como o unânimemente considerado poeta nacional da Escócia, tanto assim que o aniversário do artista é considerado feriado nacional! Nesse dia, 25 de Janeiro, por toda a ESCÓCIA é obrigatório celebrar pela noite dentro, jantar haggis (bucho de carneiro recheado com as vísceras do mesmo e tudo ligado com farinha de aveia) e tudo muito bem regado com genuíno whiskie escoçês, enquanto se declama o poema de Burns "Adress to a Haggis"... Fazendeiro e de pouca escola, lia no entanto muita literatura inglesa e muito novo começou a escrever poemas e contos sobre a sua aldeia natal, a natureza e claro, os seus amores, platónicos e muito carnais por vezes, e sendo homem da terra não lhe terão faltado oportunidades em searas de centeio ou nalgum acolhedor palheiro... Ficou-lhe a fama de uma vida sexual intensa e escandalosa, de tal forma que alguém o alcunhou de "fornicador", situação expressa no seu poema com o mesmo título! Para além disso, Burns dedicou-se a uma grande recolha de canções folclóricas escocesas e uma delas, a mais famosa, é então baseada no seu "Comin' thro' the rye", cujos versos têm sido traduzidos de mil e uma maneiras e de tal forma confusa que o leitor fica desorientado num obscuro labirinto, sendo que muitas delas fazem então referência à tal ANÁGUA... E se outro mérito não tivesse, foi lendo uma tradução desse poema que aprendi o que é uma anágua...
CHEGANDO PELO CENTEIO
Oh, Jenny está toda molhada, pobre corpo,
Jenny raramente está seca;
ela arrasta todos os seus saiotes
através do centeio.
Chegando pelo centeio, pobre corpo,
através do centeio,
ela enxuga todos os seus saiotes
chegando pelo centeio.
Deve um corpo conhecer outro corpo
que vem chegando pelo centeio,
deve um corpo beijar outro corpo,
precisa alguém de gritar?
Oh, Jenny está toda molhada, pobre corpo,
Jenny raramente está seca;
ela arrasta todos os seus saiotes
através do centeio.
Chegando pelo centeio, pobre corpo,
através do centeio,
ela enxuga todos os seus saiotes
chegando pelo centeio.
Deve um corpo conhecer outro corpo
que vem chegando pelo centeio,
deve um corpo beijar outro corpo,
precisa alguém de gritar?
Chegando pelo centeio, pobre corpo,
através do centeio
ela arrasta todos os seus saiotes
chegando pelo centeio.
Deve um corpo encontrar outro corpo
que vem chegando pelo estreito vale,
deve um corpo beijar outro corpo,
precisa todo o mundo de saber então?
Chegando pelo centeio, pobre corpo,
através do centeio
ela arrasta todos os seus saiotes
chegando pelo centeio.
Robert Burns
Tradução livre de J.C a partir da tradução de Michael R. Burch para inglês moderno;
![]() |
(Imagem Original de "Viciodapoesia.com") |
J.C
(Poeta de Valmedo)
Não metas a foice em seara alheia, poderia ser título de putativo poema de Robert Burns, o Bocage escocês. Nacionalismos à parte sinto-me mais próximo do nosso garanhão pelo saber da poda,da poesia e da prosa à maneira viperina e incisiva. Lamento que em sua homenagem não tenha sido atribuído (ainda) um dia feriado, aposta merecida em reconhecimento da sua obra. Grande abraço...
ResponderEliminarGrande Bocage! Homenagem para breve, à boa maneira lusitana... Abraço
Eliminar