segunda-feira, 3 de dezembro de 2018



MISTÉRIO EM BRATISLAVA - III


Já o Inspector Ferreira ia andando em direcção ao Departamento da Polícia quando sentiu o telemóvel vibrar no bolso do casaco, era o Comissário Rado em tom excitado:
   - Onde está, Inspector?
  - Estou a caminho, deixe-me ver... - procurou a placa toponímica da rua - estou a entrar na Ulica Ursulinská, junto ao jardim...
  - Ok, não saia daí, vamos buscá-lo!
O Inspector não teve tempo de dizer mais nada, e não tinha ainda passado um minuto já uma carrinha Passat descaracterizada parava à sua frente após uma travagem a fundo.
 - Entre! - ordenou Rado enquanto colocava o rotativo a piscar no tejadilho da viatura e apontava para o condutor - Este é o agente Vaclav, o melhor condutor que temos por cá. Segure-se bem. Temos um cadáver para examinar, espero que seja ninguém que conheça! - disse com ar grave, olhando para trás.
 - Também espero que não. - respondeu o Inspector, um pouco incomodado. Não era esse o desfecho que queria para a sua investigação, estava em Bratislava há dois dias numa missão internacional, tinha sido enviado pela Interpol para esclarecer o desaparecimento de um alto funcionário do Consulado Português em Bratislava e que, na verdade, era também um importante informador sobre as actividades de algumas associações criminosas de Leste. Rapto, crime, o que teria acontecido a Vasco Doninha? A última vez que tinha dado prova de vida tinha sido há uma semana atrás quando enviara um mensagem criptada para Lisboa informando que estava no encalce do ouro que tinha sido roubado da caixa-forte do CNB, o Banco Nacional Checo, em Praga, semanas atrás, naquele que era já considerado como um dos assaltos do século...






Várias vezes pareceu ao Inspector que o carro se deslocava apenas em duas rodas tal a gincana que Vaclav ia fazendo pelas ruas sinuosas e estreitas da cidade e agarrado à pega do tecto como uma lapa apenas conseguia vislumbrar as torres do castelo lá no alto. Finalmente chegaram a um baldio junto ao rio e aliviado por sentir os pés bem assentes na terra outra vez, o Inspector Ferreira saiu do carro e seguiu o Comissário até ao local do macabro achado, delimitado com fitas amarelas. Uma personagem atarracada e de bata, luvas e óculos brancos plastificados, debruçada sobre o cadáver, levantou-se a custo e acenou com a cabeça.
 - Bom dia, Doutor! Este é o Inspector Ferreira da Interpol, o Dr. Kasimir, o nosso Patologista Forense. Que nos conta então?
  - Bem, foi um cão que encontrou a vítima quando acompanhava a sua dona no jogging, é do sexo masculino, um metro e sessenta e apresenta fracturas da cervical, embora não tenha sido essa a causa da morte. Primeiro foi asfixiado, como demonstram as equimoses no pescoço..
  -E depois empurraram-no das muralhas para dar a ideia de uma queda acidental - juntou o Comissário.
   - Sim. Mas já foi há pelo menos quatro ou cinco dias, quando tiver o resultado dos exames laboratoriais lhe direi.
    - Obrigado, Dr. Kasimir - disse o Comissário enquanto olhava para o imponente Hrad.
       - Só mais uma coisa, comissário, encontrei umas estranhas manchas amareladas nas mãos da vítima, talvez fruto do contacto com tintas sintéticas.
O comissário voltou-se para falar com o Inspector mas este já descia em direcção a uma estrutura que lhe chamara a atenção: a uns trinta metros, abria-se um túnel na encosta, fechado por uma robusta grade de ferro.
   - Sabe onde vai dar esta passagem, comissário? - perguntou o Inspector, sentindo o outro a aproximar-se.
    - Presumo que terá comunicação com a rede de túneis sobre a qual a cidade está construída, consta que há muitas passagens subterrâneas secretas por aqui e que serviam para a entrada e saída de gente e alimentos quando o castelo estava cercado.
    - E sabe da existência de alguma fundição nas proximidades?
    - Não, mas posso mandar averiguar.  Porque pergunta?
  - Bem, tenho uma teoria, comissário, estamos perante uma coisa muito maior do que esperávamos, suspeito que esta vítima é o Cavaleiro Dourado e que o desaparecimento da estátua pode estar relacionado com o assalto de Praga e, a ver por estas marcas de pneus que aqui se encontram, penso que alguém tem dado uso a estes túneis últimamente... Sabe, hoje também encontrei vestígios de lama igualzinha a esta junto da tampa do Curioso...
   O comissário pegou no telefone e fez uma chamada.
   - Pronto, Inspector, vamos lá então testar a sua teoria. Daqui a dez minutos virá aqui alguém abrir este portão e vamos lá explorar esses túneis. Ah, é verdade, você teve um bom palpite, de facto existe uma fundição abandonada, situada no antigo bairro judeu, perto do centro histórico. Mas há uma coisa que não bate certo, este não pode ser o Cavaleiro Dourado porque ele foi visto no sitio habitual há duas noites e o Dr. Kasimir diz que o crime ocorreu há muito mais tempo...
  - Isso também me confundiu inicialmente, comissário, mas imagine que o que viram não foi o verdadeiro artista de rua...



O soldado de Napoleão


João Pena Seca
(Escritor de Valmedo)

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