sábado, 1 de dezembro de 2018



MISTÉRIO EM BRATISLAVA - II


O Cavaleiro Dourado
Ao sair do hotel, o Inspector Ferreira não resistiu à tentação de passar primeiro pelo lugar do crime e, evitando o bistrot de onde saía um adocicado cheiro a pão acabado de fazer, atravessou a Praça Hurbanovo fora da passadeira, passou pelo portão sobrevivente das fortificações medievais, desceu a  encantadora Rua Mlchaská e deixou-se levar pelo ambiente histórico da cidade velha até chegar à praça principal. Uma dezena de turistas chineses amontoavam-se na esquina em frente, com ar aparvalhado iam ouvindo as instruções de uma nervosa guia e olhavam com ar de decepção para o local onde era suposto estar a estátua do Curioso e onde restava apenas a tampa do esgoto, semicerrada... Algumas pessoas, ao passar, num gesto ridículo espreitavam mesmo pela abertura talvez pensando que a estátua se tivesse escondido nas profundezas da cidade enquanto outros, nitidamente locais, olhavam com estranheza e seguiam caminho. O inspector aguardou que a multidão de chineses fosse infestar outra curiosidade turística e então aproximou-se, notou vestígios de lama em redor da tampa e chamando a atenção de quem passava tentou levantá-la: era pesada, seriam precisas várias pessoas para a tirar do sítio e para levar a estátua em bronze maciço. Teve uma impressão que algo não estava bem, faltava alguma coisa, olhou em redor, ao longe já se abriam as barraquinhas do mercado de Natal que encerrara já madrugada dentro, velhotas entravam numa das inúmeras igrejas da cidade para a primeira benção do dia, gente apressada que ia decerto para o emprego, estudantes carregados de mochilas e instrumentos musicais, era isso, faltava ali no canto o guerreiro dourado. Podia ser apenas uma coincidência mas a estátua viva já estaria ali àquela hora, teria alguma coisa a ver com o desaparecimento do MAN AT WORK? Tinha muito que falar com o Comissário Rado, mas antes entrou no café das marionetas para matar o bichinho que lhe roía as entranhas. Pediu um capuccino e um trdelník, o doce mais tradicional e famoso da Eslováquia e arredores, uma espécie de casca de bola-de berlim espessa enrolada e que se enche com chocolate, doce ou gelado... Lembrou-se então que tinha o jornal no bolso do sobretudo, colocou os óculos de leitura a jeito e preparava-se para ler a notícia sobre o estranho desaparecimento da estátua quando reparou numa nota de rodapé: o Spectator publicava a crónica mensal da Toupeira e como lampião devoto que era tratou de ler primeiro as impressões do famoso bicho sobre a vida do clube do seu coração. Ainda bem, para desanuviar, pensou...



                           A TOUPEIRA DE DEZEMBRO

Reina a confusão e o pessimismo no reino da águia depois do Presidente Vieira ter surpreendido tudo e todos, pelos vistos até o próprio, ao voltar atrás no despedimento do treinador VITÓRIA, decisão que tinha sido tomada na véspera em reunião com outros administradores, logo após mais uma humilhação europeia, uma catastrófica derrota em Munique por 5-1 diante de um Bayern debilitado e também em crise... Mas, mais do que as inaceitáveis derrotas de Novembro, o que impressionou deveras a toupeira nesta visita mensal foi o desânimo e o descrédito que a população benfiquista nutre por esta equipa que não consegue articular uma jogada quanto mais apresentar futebol de qualidade, encontrou jogadores completamente perdidos em campo e uma triste equipa arrastando-se à deriva, qualquer que seja o adversário, sendo claro que o treinador Rui não tem ponta de ideia de jogo para apresentar nem qualquer estratégia para fazer render os carissímos reforços que recebeu no Verão e que teima em ostracizar. Não admira, pois, que seja tão contestado, a equipa é pouco mais do que miserável! 
Mas a toupeira vai mais fundo na sua análise porque, a juntar à crise no futebol, continuam a arrastar-se na justiça as suspeições sobre práticas injustificáveis e o Presidente, cada vez que fala, ainda piora mais a situação, tanto é capaz de jurar fidelidade ao treinador até ao final do contrato e no dia seguinte constatar que é uma situação insustentável, como ainda é recorrente em atoardas estúpidas como aquela já famosa de garantir amiúde à nação que o título de campeão europeu está para breve, e a jogar desta maneira e com este treinador, pensa a toupeira, só se for na Playstation... Desta vez, Vieira diz que lhe deu uma luz, bem, a toupeira acha que o que lhe deu foi um amok suicida que para além de acentuar divisões internas corre o risco de provocar uma hecatombe colectiva, uma tragédia social! A toupeira, lendo que o presidente parece convencido de que está dotado de uma visão de super-herói, acha ele que vê melhor e mais longe do que qualquer outro terráqueo, deixa o conselho de levar o homem ao oftalmologista porque parece claro que precisa de óculos ou que sofre de cataratas... Além disso, e antes de voltar com gosto para os subterrâneos da Luz, onde, valha a verdade, se está mais confortável do que cá em cima com todo este ar poluto e irrespirável, a toupeira só vê uma saída para a crise encarnada e para o treinador Rui Patinho Feio: ganhar tudo até ao final da temporada, começando pelo Feirense (já hoje), Setúbal, Marítimo e Braga para a Liga e uma despedida da malfadada Champions com uma vitória sobre o AEK, apenas para limpar a alma...     28666




João Pena Seca
(Escritor de Valmedo)

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