quinta-feira, 20 de abril de 2017




DESEMBARQUE NA NORMANDIA -  II


Cento e nove anos depois do fugaz encontro entre Monet e Leblanc na Gare de Saint Lazare, um outro acontece no mesmo local, numa manhã dos primeiros dias de Abril e debaixo de um sol tímido e de nuvens ameaçadoras...  Jean Charles Forgeronne, moi-meme, este vosso amigo em pessoa e ROGER MARTIN, grande amigo meu, botânico e especialista em plantas ornamentais, jardinagem e até em ervas medicinais e mezinhas caseiras, isto para além de se dedicar à agricultura nos tempos livres... E garanto-vos, ninguém faz e conhece os preceitos de um bom chá como ele!
E ao contrário do pintor e do escritor que viajavam em sentidos opostos, este fotógrafo e este naturalista vão embarcar numa aventura de sentido único, rumo à NORMANDIA e com um destino mais concreto, Giverny, Roger para conhecer o jardim de Monet e recolher informação para um atlas botânico que há-de um dia publicar e eu, menos específico, receptivo a todos os estímulos da paisagem normanda e do universo do pintor, de quem era aliás admirador confesso desde há muito após ter ficado bastante impressionado pelo contacto directo com o sublime "Impression, soleil levant", anos antes em pleno Marmottan...
E que melhor auspício para esta expedição do que a visita vespertina à L'ORANGERIE, aos fabulosos nenúfares de Giverny oferecidos por Monet à cidade de Paris logo após o final da traumática I Grande Guerra e para ali transplantados para que se constituisse um espaço de paz e reflexão, um refúgio onde os parisienses se pudessem encontrar consigo mesmos e poderem abstrair-se do caos e da azáfama citadinas, para que pudessem abstrair-se dos traumas da guerra e para lhes ser possivel a impressão de estar num pequeno jardim idílico da Normandia, imunes ao sofrimento.... 



Nynmphéas - Orangerie
O percurso até VERNON, apeadeiro mais perto de Giverny, faz-se numa hora de viagem sempre pela margem esquerda do SENA, um rio tão mítico quanto normando até desaguar no Canal da Mancha.... E uma coisa vos garanto, meus amigos, esta serpenteante rive gauche normanda não fica atrás daquela parisiense imortalizada pelos escritores da Nouvelle Vague....
A paisagem vai alternando entre o azul do rio e as densas florestas, as vilas de casas acasteladas e os verdes campos agrícolas...





O comboio está quase cheio e salta à vista que a maioria dos passageiros são turistas numa ritual peregrinação ao santuário de Monet....  Muitos deles levam ao colo vários guias turísticos como se da sagrada Bíblia se tratasse, alguns folheiam com avidez o American Express enquanto outros optaram pela Lonely Planet, e entretanto aqui vou eu apenas com uns apontamentos escritos no meu preto Moleskine de viagem, fruto de uma singela semana de investigação...  Para além, claro,  da edição de bolso em françês de L'Aiguille creuse que vou lendo de tempos a tempos quando ocorre uma pausa no frenético desafio aos sentidos e também com o intuito de ginasticar a língua gaulesa... E então fico lívido, o chão escapa-me e agarro-me ao banco do comboio como se de uma boia se tratase...
   - Estás bem? -  pergunta-me o Roger com ar assustado.
   - Sim, foi apenas uma vertigem.... - tento disfarçar....
Mas ele continuava a fixar-me com aqueles castanhos e obscuros olhos que o caracterizam, não havia forma de fugir à questão...
    - Já reparaste na capa deste livro do Lupin? - lancei de sopetão...
    - ....
    - O sol, parece um sol nascente como aquele do Monet, certo?
    - Neste caso parece-me mais o sol poente... - disse ele com alguma convicção.
    - Depende da perspectiva, amigo Roger - respondi eu o melhor que arranjei - mas para mim é um belo sol nascente e isso só revela que, como eu já desconfiava, há por aqui um grande mistério por desvendar...
   





E agora, enquanto tento anotar algumas impressões desta nova experiência, reparo com surpresa que o MARTIN vai absorto em qualquer pensamento que não quero de forma alguma interromper... Finjo que não reparei e olho para o lado, para o Sena, tentando adivinhar o que nos aguarda....




















Jean Charles Forgeronne

(Fotógrafo de Valmedo)

Sem comentários:

Enviar um comentário