REVISITAÇÃO DE PRAGA
Passados seis longos anos estou de regresso a Praga, cumpriu-se o desejo de aqui regressar quando então, desconfiado e esperançoso ao mesmo tempo e cumprindo o que exige a lenda, esfregara a mão no bronze da estátua do São João Nepomuceno, mas aqui e agora, em pleno coração histórico da cidade à espera da hora certa para ver uma vez mais o desfile metafórico das figuras do relógio astronómico, sinto o peso da finitude humana, parece que o tempo ou a escassez dele só nos afecta a nós porque quanto à cidade ela continua igual, igualmente bela e fascinante, eterna...
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"Cidade Velha" - Jean-Charles Forgeronne |
Agora que a Morte já tocou o sino e o relógio de areia se inverteu assaltam-me a memória os versos de Rilke:
"Amo as horas sombrias do meu ser,
onde se afundam os meus sentidos;
como em cartas antigas nelas encontrei
a minha vida de cada dia já vivida
e em lenda bem longe e superada"
Desta vez, com mais tempo, acerto contas pendentes com a cidade e exploro paisagens, maravilhas arquitectónicas e curiosidades que na outra efémera excursão não tivera oportunidade de ver, a Galeria Nacional e ainda por cima em dia de borla, o interior da deslumbrante Igreja de Nossa Senhora de Tyn, o interior da Catedral de São Vito e o Antigo Palácio Real, a colina Pétrin com a sua Torre Eiffel e vistas magníficas sobre o Moldava, até a cabeça rotativa de Kafka que ignorei na altura por não estar contemplada no desactualizado guia da Lonely Planet que trouxera...
Com tempo, e a um ritmo sereno, alarguei os horizontes da margem esquerda do Vltava, subi pacientemente os íngremes 318 metros da colina de Petrín, parando de vez em quando e imaginando o quanto teria sido mais fácil a escalada se o funicular não estivesse encerrado, voltei a passear ao longo da margem e da ilha de Kampa para relembrar os meninos gatinhantes de Cerný, o muro de Lennon e os mijantes à porta do museu de Kafka...
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"A rua mais estreita..." - Jean-Charles Forgeronne |
E a meio da jornada porque não entrar na Shakespeare e descansar um pouco? Desço à cave da livraria e afundo-me num sofá já idoso, rodeado de livros que desafiam o tempo e a memória, resisto a escolher algum para levar e limito-me a estar, até porque assim que a L. termine as suas compras será hora para continuar a aventura, há que subir o parque Letná em demanda da melhor vista sobre as pontes e não sem antes descobrir a rua mais estreita de Praga, logo ali ao lado, em que só cabe uma pessoa e com acesso alternado e controlado por semáforo!
E depois de descer o Letná e ao atravessar a Ponte Carlos não resisto ao impulso de pedir uma nova graça ao Nepomuceno, fecho os olhos e peço outro regresso, se resultou uma vez porque não insistir? Não interessa se para o ano se para daqui a outros seis, desde que não me falte tempo, afinal fica sempre algo mais para descobrir em Praga, como por exemplo e nem de propósito a colossal Lilith, que me escapou porque acabei mesmo agora de saber ser uma escultura em aço de Cerný com 24 metros de altura abraçando um prédio, cuja cabeça também se move de vez em quando e que passou a ser simplesmente a maior escultura existente em Praga... E tão perto por lá andei...
João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
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