CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - LII
FOI PEIXE QUE SE DERRETEU!
"Foi peixe que se derreteu!"... Tantas vezes ouvi a minha avó bradar isto aos céus quando procurava algo que desaparecera, a última das quais por entre galinhas e coelhos que fugiam alvoroçados do alcance do pau com que ela ia explorando o quintal, e que na inocência da minha juventude me convenci ser uma expressão dos antigos para essas ocasiões apesar de tão estranha me soar, uma parvoíce mesmo, pois onde raio é que o peixe alguma vez se derrete, perguntava-me eu, mas hoje, passado tanto tempo, constato que nunca ouvi mais ninguém proferi-la e interrogo-me se não terá sido mesmo uma expressão inventada pela avó Cotiles para essas intrigantes ocasiões em que parece impossível algo ter desaparecido sem explicação e fugido ao nosso controlo visual e à nossa memória, como se entidades sobrenaturais andassem a mangar connosco...
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"Ilusão de óptica"- Jean-Charles Forgeronne |
"Foi peixe que se derreteu!" - desta vez fui eu que o disse bem alto passados tantos anos e apenas os pássaros me ouviram, já meio tonto de tanto olhar por entre os troncos e espreitar por debaixo da vegetação rasteira deste labiríntico bosque, "que raio de ideia tive de vir aqui, não havia necessidade", continuo com o desabafo... De facto havia uma razão muito forte para ter regressado a este meu bosque de estimação e que era fotografá-lo a uma determinada luz e de um particular jeito de forma a replicar o máximo possível o bosque de bétulas pintado por Antonin Slavicek e que tinha visto na Galeria Nacional de Praga dias antes... Lá, ao olhar para a tela senti-me transportado para aqui, e agora, fotografias prontas, sinto-me como a Alice em queda livre toca adentro em perseguição de um coelho fantástico que me roubou os óculos e que não consigo alcançar por mais que tente, três dias aqui vim em exaustiva pesquisa e pela terceira vez sairei frustrado e sem compreender, os malditos óculos teriam que estar aqui, não havia outra explicação, no domingo de manhã ainda voltei ao parque de estacionamento do Lidl, poderiam ter caído ao entrar no carro mas nada, nem ninguém tinha entregue algo perdido a alguém da loja, na segunda tinha regressado aqui ao bosque e nova demanda infrutífera, nem na GNR alguém os tinha lá deixado, e hoje, armado de varapau para bater bem o terreno por debaixo das ervas e nova desilusão...
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"Visão turva" - Jean-Charles Forgeronne |
A minha cabeça jura-me que cheguei aqui com eles, aliás foi aqui que dei pela sua falta, portanto onde raio se esconderam, só mesmo caindo na toca que leva ao país das maravilhas ou então, porque não, uma daquelas garças além os tenha levado para o seu ninho para ler à noite ou então, ainda melhor, o javali que esgravatou a terra que agora piso anda por aí com a caixa dos óculos trespassada por uma das suas presas, como um troféu... "Estou a enlouquecer", penso ao admitir essa hipótese... E no entanto, volto a dizer: "Foi peixe que se derreteu!"...
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"Peixe que derrete" |
E no entanto a minha avó tinha toda a razão sem o saber, HÁ PEIXE QUE SE DERRETE! Qual o meu espanto quando descubro que existe um peixe que derrete mesmo, o peixe-caracol, descoberto por cientistas a grandes profundidades oceânicas, entre 6 e 8 mil metros de profundidade e que só aí, nesse ambiente sujeito a grande pressão e temperatura, encontram o seu habitat natural; ora, quando o tentaram trazer para a superfície para o estudar aconteceu simplesmente que ele desapareceu, o seu corpo constituído por uma massa gelatinosa translúcida não aguenta a mudança de pressão e simplesmente derrete! "Foi peixe que se derreteu!" - terão dito os boquiabertos cientistas...
Não me admira nada que um dia destes se descubra que neste mundo-cão também há óculos que se derretem!
Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo"
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