terça-feira, 31 de dezembro de 2024

 

O FOGUETÓRIO MALVADO!

Pronto, amigos caninos, lá chegou esta maldita época do ano em que aqui à volta desata tudo a lançar foguetes e fogo de artifício como se o mundo fosse acabar amanhã e de facto é bem possível que ele acabe mesmo em breve mas para mim, tal o alvoroço em que já me encontro, há dois dias que perdi o apetite e não tenho dormido lá muito bem, acreditam que já cheguei ao ponto de acordar madrugada cerrada com aqueles medonhos barulhos das explosões e depois vai-se a ver e foi tudo obra do meu subconsciente, uma partida da minha imaginação porque só hoje à noite, último dia do ano para os humanoides, é que a coisa vai mesmo acontecer? Sofro por antecipação, é o que é!
-James, o que se passa? Não me digas que já te estás a esconder dos foguetes, calma, sua bicheza, vai correr tudo bem, afinal vou cá ficar contigo e vamos fazer os dois uma festa bem fixe... - ouvi para meu espanto o J.C. dizer quando me descobriu enroscadinho bem debaixo da lareira do grelhador, um dos meus esconderijos de eleição porque aí os sons chegam abafados...
E de facto, amigos caninos, disse-me o J.C., todo este stress que nos é causado pelo fogo de artificio resulta do nosso apurado instinto de sobrevivência, afinal quem não relaciona estrondos e barulhos intensos repetidos como uma ameaça, um perigo iminente? E sabem vocês que nós temos uma audição muito mais sensível que as pessoas e que conseguimos identificar barulhos a distâncias muito maiores, antecipando o perigo? 


E não menos importante, amigos caninos, nem todos nós sofremos de igual modo com os foguetórios mas sabiam que há muito cão que sofre mesmo muito com isso, desde vómitos, diarreia e incontinência a casos mais graves como episódios de pânico e até ataques cardíacos fatais? E eu que vos diga, já passei muito mal em anos anteriores...
Mas agora não ides acreditar, o J.C. chama por mim e entro em casa, tenha a minha caminha pronta em plena sala, mesmo ao lado da televisão e da iluminada árvore de natal, portas e janelas fechadas para não ver relâmpagos nem ouvir explosões, uns biscoitinhos para me alegrar e uma música ambiente para relaxar... 
E enquanto penso o que fiz eu para merecer todas estas mordomias o J.C., descendo do primeiro andar depois de ter espreitado o fogo pirotécnico na Areia Branca, esclarece:
- Sabes, bicho, já não vais para novo e tive medo que o teu coração não aguentasse...
E não aguentei, elevei-me o mais que pude e dei-lhe um abracinho...
Um bom ano novo para todos vós, queridos amigos caninos... 

"Areia Branca"

James
(Cão de Valmedo)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

 

"Rua do Carmo nocturna" - Jean-Charles Forgeronne


CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - LII 

FOI PEIXE QUE SE DERRETEU!

"Foi peixe que se derreteu!"... Tantas vezes ouvi a minha avó bradar isto aos céus quando procurava algo que desaparecera, a última das quais por entre galinhas e coelhos que fugiam alvoroçados do alcance do pau com que ela ia explorando o quintal, e que na inocência da minha juventude me convenci ser uma expressão dos antigos para essas ocasiões apesar de tão estranha me soar, uma parvoíce mesmo, pois onde raio é que o peixe alguma vez se derrete, perguntava-me eu, mas hoje, passado tanto tempo, constato que nunca ouvi mais ninguém proferi-la e interrogo-me se não terá sido mesmo uma expressão inventada pela avó Cotiles para essas intrigantes ocasiões em que parece impossível algo ter desaparecido sem explicação e fugido ao nosso controlo visual e à nossa memória, como se entidades sobrenaturais andassem a mangar connosco...


"Ilusão de óptica"- Jean-Charles Forgeronne

"Foi peixe que se derreteu!" - desta vez fui eu que o disse bem alto passados tantos anos e apenas os pássaros me ouviram, já meio tonto de tanto olhar por entre os troncos e espreitar por debaixo da vegetação rasteira deste labiríntico bosque, "que raio de ideia tive de vir aqui, não havia necessidade", continuo com o desabafo... De facto havia uma razão muito forte para ter regressado a este meu bosque de estimação e que era fotografá-lo a uma determinada luz e de um particular jeito de forma a replicar o máximo possível o bosque de bétulas pintado por Antonin Slavicek e que tinha visto na Galeria Nacional de Praga dias antes... Lá, ao olhar para a tela senti-me transportado para aqui, e agora, fotografias prontas, sinto-me como a Alice em queda livre toca adentro em perseguição de um coelho fantástico que me roubou os óculos e que não consigo alcançar por mais que tente, três dias aqui vim em exaustiva pesquisa e pela terceira vez sairei frustrado e sem compreender, os malditos óculos teriam que estar aqui, não havia outra explicação, no domingo de manhã ainda voltei ao parque de estacionamento do Lidl, poderiam ter caído ao entrar no carro mas nada, nem ninguém tinha entregue algo perdido a alguém da loja, na segunda tinha regressado aqui ao bosque e nova demanda infrutífera, nem na GNR alguém os tinha lá deixado, e hoje, armado de varapau para bater bem o terreno por debaixo das ervas e nova desilusão... 

"Visão turva" - Jean-Charles Forgeronne

A minha cabeça jura-me que cheguei aqui com eles, aliás foi aqui que dei pela sua falta, portanto onde raio se esconderam, só mesmo caindo na toca que leva ao país das maravilhas ou então, porque não, uma daquelas garças além os tenha levado para o seu ninho para ler à noite ou então, ainda melhor, o javali que esgravatou a terra que agora piso anda por aí com a caixa dos óculos trespassada por uma das suas presas, como um troféu... "Estou a enlouquecer", penso ao admitir essa hipótese... E no entanto, volto a dizer: "Foi peixe que se derreteu!"...

"Peixe que derrete"

E no entanto a minha avó tinha toda a razão sem o saber, HÁ PEIXE QUE SE DERRETE! Qual o meu espanto quando descubro que existe um peixe que derrete mesmo, o peixe-caracol, descoberto por cientistas a grandes profundidades oceânicas, entre 6 e 8 mil metros de profundidade e que só aí, nesse ambiente sujeito a grande pressão e temperatura, encontram o seu habitat natural; ora, quando o tentaram trazer para a superfície para o estudar aconteceu simplesmente que ele desapareceu, o seu corpo constituído por uma massa gelatinosa translúcida não aguenta a mudança de pressão e simplesmente derrete! "Foi peixe que se derreteu!" - terão dito os boquiabertos cientistas... 
Não me admira nada que um dia destes se descubra que neste mundo-cão também há óculos que se derretem!

Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo"

sábado, 21 de dezembro de 2024

 FOTOGRAFIA NÃO É ARTE?

Charles Baudelaire tinha apenas 5 anos de idade quando surgiu a primeira fotografia, obra do inventor francês Joseph Niépce em 1826, viveu portanto de perto o impacto que essa modernice teve na opinião pública e no meio artístico, tendo-se tornado ao longo da sua atribulada existência um inimigo ferrenho dos fotógrafos e figura de proa do movimento de críticos que negava qualquer valor artístico à fotografia, diziam eles que a imagem era feita pela máquina e não pelo fotógrafo... Para Baudelaire, "a fotografia não passava de um refúgio para todos os pintores frustrados"!...
Até se entende esse ódio à fotografia por parte do poeta, afinal Baudelaire foi um arauto do simbolismo em oposição ao realismo, ele odiava a realidade concreta, essa imperfeita visão do mundo, para ele abordar o mundo-cão sem elementos místicos e imaginários, sem um apelo ao inconsciente e à sugestão e sem exposição de sentimentos era uma falsidade, que dizer pois da fotografia que era apenas um procedimento técnico, bastava carregar num botão, uma coisa sem qualquer exigência de dom artístico? 

"Birch Mood" - Antonin Slavicek, 1897 

Certo é que apesar dessa resistência e desse escárnio o advento da fotografia conturbou drasticamente o mundo da arte e da cultura, especialmente da pintura paisagista e retratista que se viu obrigada a procurar outras abordagens à interpretação da realidade inacessíveis à máquina fotográfica, tendo então, por causa disso e segundo os entendidos, surgido correntes como o cubismo ou o expressionismo, ...
Hoje, passados quase dois séculos, ninguém põe em causa que a fotografia é arte e que o fotógrafo pode ser mesmo um artista ao trabalhar com sensibilidade a cor, a luz e a sombra...

"Bosque nas Cesaredas" - Jean-Charles Forgeronne, 2024

E é nisto tudo que vou pensando enquanto me perco pela Galeria Nacional de Praga neste domingo de manhã de visita grátis, agora mesmo estou defronte de uma enorme tela de Antonin Slavicek, conceituado pintor impressionista checo que em 1897, ou seja trinta (!) anos após a morte do cáustico Baudelaire, teve a ousadia de pintar um bosque de bétulas nos arredores da cidade, sem medo de comparação com um qualquer fotógrafo amador que retratasse outro bosque qualquer, de outras árvores quaisquer, até noutra estação do ano, até noutro lugar qualquer a milhares de quilómetros de distância, como por exemplo um pequeno bosque nas Cesaredas que bem conheço e para o qual fui imediatamente transportado assim que deparei com a pintura... Como a arte é universal, pensei... E pode não ser algo de extraordinário, pode até não caber na definição de obra de qualidade, mas a minha fotografia, 200 anos depois do bosque de Slavicek, não foge à premissa essencial da arte: revelar a beleza deste mundo! 


Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

sábado, 14 de dezembro de 2024

"As pontes de Praga" - Jean-Charles Forgeronne

 

 

BEM POR DENTRO DE PRAGA


"Merde! Mais oú est la station du Metrô?" C'est par ici, non?!" - dizia o janota turista francês para a sua bem composta companheira num indisfarçável sotaque parisiense enquanto olhava em redor com ar perdido e olhar pouco preciso, apontando de vez em quando com uma mão o amarfanhado mapa turístico da cidade que segurava na outra... Ninguém prestou atenção, nem mesmo a francesa coquette, talvez porque a praça estivesse agitada e barulhenta devido ao frenesim dos eléctricos que passavam por ali a cada meio minuto ou porque cada um andava ensimesmado com as suas coisas mundanas mas a sonora gargalhada que não consegui evitar passou completamente despercebida, e ainda bem, pensei eu gozando o solitário júbilo que me invadia ao constatar que afinal não era eu a única criatura deste mundo-cão a ter grandes dificuldades para encontrar as bocas do metropolitano de Praga, e no entanto esta eu estava a vê-la lá ao fundo, bem disfarçada por cima da cabeça do francês... 


"Mustek station" - Jean-Charles Forgeronne

Ao contrário de qualquer capital europeia, quem andar pelos passeios do centro histórico e da cidade velha de Praga não vislumbra neles uma única boca de metro, não porque não existam entradas e saídas para as entranhas da cidade onde circulam anualmente cerca de 600 milhões de pessoas por ano mas porque estão muito bem disfarçadas, para não ofender a traça histórica da cidade elas estão dentro dos prédios, entre uma livraria e um cabeleireiro, por exemplo, só com muita atenção se encontram as escadas rolantes que nos transportam a grande profundidade, é que devido às características do solo os túneis subterrâneos do metropolitano tiveram que ser construídos bem fundo, alguns chegam a estar 50 metros abaixo do solo... 

"Passaj" - Jean-Charles Forgeronne

Mas não são só as entradas e saídas do metro que estão dentro dos prédios, inúmeras passagens transportam-nos de uma rua para outra, por entre pátios, lojas, cafés, restaurantes e até jardins são um inestimável atalho para qualquer destino do centro histórico... 

"Passagem-Jardim Frantiskanska"- Jean-Charles Forgeronne

E depois, a qualquer momento podemos ser surpreendidos, como por exemplo na Passagem Lucerna com São Venceslau montado no seu cavalo morto...

"Passagem Lucerna" - Jean-Charles Forgeronne

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

sábado, 7 de dezembro de 2024

 

REVISITAÇÃO DE PRAGA

Passados seis longos anos estou de regresso a Praga, cumpriu-se o desejo de aqui regressar quando então, desconfiado e esperançoso ao mesmo tempo e cumprindo o que exige a lenda, esfregara a mão no bronze da estátua do São João Nepomuceno, mas aqui e agora, em pleno coração histórico da cidade à espera da hora certa para ver uma vez mais o desfile metafórico das figuras do relógio astronómico, sinto o peso da finitude humana, parece que o tempo ou a escassez dele só nos afecta a nós porque quanto à cidade ela continua igual, igualmente bela e fascinante, eterna... 


"Cidade Velha" - Jean-Charles Forgeronne

Agora que a Morte já tocou o sino e o relógio de areia se inverteu assaltam-me a memória os versos de Rilke:
"Amo as horas sombrias do meu ser,
onde se afundam os meus sentidos;
como em cartas antigas nelas encontrei
a minha vida de cada dia já vivida
e em lenda bem longe e superada" 


"Staroméstské náméstí"- Jean-Charles Forgeronne

Desta vez, com mais tempo, acerto contas pendentes com a cidade e exploro paisagens, maravilhas arquitectónicas e curiosidades que na outra efémera excursão não tivera oportunidade de ver, a Galeria Nacional e ainda por cima em dia de borla, o interior da deslumbrante Igreja de Nossa Senhora de Tyn, o interior da Catedral de São Vito e o Antigo Palácio Real, a colina Pétrin com a sua Torre Eiffel e vistas magníficas sobre o Moldava, até a cabeça rotativa de Kafka que ignorei na altura por não estar contemplada no desactualizado guia da Lonely Planet que trouxera...

"Colina abaixo..." - Jean-Charles Forgeronne

Com tempo, e a um ritmo sereno, alarguei os horizontes da margem esquerda do Vltava, subi pacientemente os íngremes 318 metros da colina de Petrín, parando de vez em quando e imaginando o quanto teria sido mais fácil a escalada se o funicular não estivesse encerrado, voltei a passear ao longo da margem e da ilha de Kampa para relembrar os meninos gatinhantes de Cerný, o muro de Lennon e os mijantes à porta do museu de Kafka...

"A rua mais estreita..." - Jean-Charles Forgeronne

E a meio da jornada porque não entrar na Shakespeare e descansar um pouco? Desço à cave da livraria e afundo-me num sofá já idoso, rodeado de livros que desafiam o tempo e a memória, resisto a escolher algum para levar e limito-me a estar, até porque assim que a L. termine as suas compras será hora para continuar a aventura, há que subir o parque Letná em demanda da melhor vista sobre as pontes e não sem antes descobrir a rua mais estreita de Praga, logo ali ao lado, em que só cabe uma pessoa e com acesso alternado e controlado por semáforo!
  
"Catedral S.Vito" - Jean-Charles Forgeronne 

E depois de descer o Letná e ao atravessar a Ponte Carlos não resisto ao impulso de pedir uma nova graça ao Nepomuceno, fecho os olhos e peço outro regresso, se resultou uma vez porque não insistir? Não interessa se para o ano se para daqui a outros seis, desde que não me falte tempo, afinal fica sempre algo mais para descobrir em Praga, como por exemplo e nem de propósito a colossal Lilith, que me escapou porque acabei mesmo agora de saber ser uma escultura em aço de Cerný com 24 metros de altura abraçando um prédio, cuja cabeça também se move de vez em quando e que passou a ser simplesmente a maior escultura existente em Praga... E tão perto por lá andei...

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

 

O FILHO MAIS NOVO DE PRAGA 


"Piss", 2004
Chamam os checos à capital da sua nação e berço da sua cultura "maticka Praha", isto é "mãezinha Praga", e se Franz Kafka indubitavelmente é, passado mais de um século, o seu filho mais ilustre, tanto assim é que os dois se confundem, quando se pensa em Praga logo vem à memória Kafka e depois, lei do eterno retorno, à mínima referência sobre Kafka logo surge Praga no horizonte da memória, em todos os cantos, na ruela mais desconhecida ou na praça mais movimentada, em qualquer sítio algo nos transporta para  o universo  kafkiano, seja uma rua, um museu, uma estátua ou uma simples livraria, por toda a cidade se respira kafka e no entanto, para os mais atentos, outro bom filho tem cuidado e muito bem da sua velha mãe...

"Kafka's rotating head"


"Bebés de Miminka"
Ao contrário de Kafka que durante toda a sua curta vida de 40 anos sempre viveu na cidade onde nasceu, David Cerný, também filho de Praga, saiu para conhecer mundo e chegou a viver algum tempo na América e hoje tem obras espalhadas por muitas cidades, desde Nova Iorque a Berlim ou Londres, por exemplo... Mas é em Praga que as suas obras têm mais impacto ou não tivesse ele saltado para a ribalta ao pintar em 1991 de cor-de-rosa brilhante um tanque soviético que assinalava o fim da Segunda Guerra Mundial, depois disso foi sempre de provocação em provocação, a polémica e o fascínio estão sempre presentes em qualquer inauguração de uma obra sua, um acontecimento mediático!  Mas curiosamente este enfant-terrible, que enforcou Freud na rua Husova ou colocou a estátua de São Venceslau montada num cavalo morto na passagem Lucerna, sempre honrou a memória do seu irmão mais velho, seja nos dois homens mijando em frente ao museu do escritor seja na fabulosa cabeça rotativa de Kafka...   

"Borboletas"

E a última atracção de Praga são as duas gigantescas borboletas que Cerný pousou nas paredes de um centro comercial, e não é que batem as asas num perpétuo movimento?
Concluindo, hoje Praga não é apenas a cidade de Kafka, é também, e cada vez mais, a cidade de Cerný...
    
                                                                                                          (Fotos: Jean-Charles Forgeronne)
João Plástico
(Artista de Valmedo)

domingo, 1 de dezembro de 2024

 

LIVROS 5 ESTRELAS - XL

TANTAS HISTÓRIAS NUMA CIDADE...

Este é um livro de juventude, publicado à sua custa e fruto daquele frenesim sem rodeios que assola o jovem escritor em busca da sua identidade própria, anos mais tarde, já senhor do seu estilo e da sua pena, Rainer Maria Rilke diria que se voltasse atrás o teria escrito de outra maneira ou que não o teria escrito sequer... Reconhece no entanto Rilke que estes dramas compostos quando vivia em Praga corresponderam então a uma necessidade do passado, a de reter da infância e da cidade aquilo que se amou porque ninguém foge ao desejo de possuir tudo o que viveu, e certo é que, digo eu, bastas vezes vive-se melhor nas memórias do que no presente... Por isso, como retrato do escritor enquanto jovem e da cidade já então velha ganha este "Duas Histórias de Praga" outro valor a que nem o autor nem os exigentes críticos lhe deram...


Esta edição, impressa em 1984 pela Editorial Labirinto é ela também uma preciosidade histórica devido quer ao posfácio, onde é explicada a situação social e política de Praga à época em que Rilke aí viveu, quer às notas subsequentes a cada história e que constituem um autêntico dicionário sobre a cidade, sobre as suas ruas que entretanto mudaram de nome, sobre os monumentos que outrora tiveram outro uso, sobre as pessoas de antanho que contribuíram para o ambiente da Boémia...
Não estranhem pois se um dia destes, ao deambular por Praga, derem de caras com o Jean-Charles Forgeronne de máquina numa mão e este livrinho na outra, qual guia de viagens, em busca da Praga de outrora para perceber a cidade de hoje...

"Lá, a Bruckengasse" - Jean-Charles Forgeronne

João Vírgula
(Leitor de Valmedo)