QUEIMANDO MAUS ESPÍRITOS E BRUXAS
A luz pálida do entardecer embelezava o vale e enquanto descíamos aos ziguezagues pelo caminho de terra bastante sulcado pelas últimas chuvadas tive a sensação de que estávamos prestes a entrar noutra dimensão e tentava convencer-me de que não estava apenas a ser sugestionado pelo carácter especial da reunião, parecia-me mesmo que iríamos em breve mergulhar num mundo de maravilhosas coisas e como a escuridão ainda não engolia o cenário já se vislumbrava lá ao fundo os contornos encantadores da Capa Negra...
Os amigos iam chegando alegres e carregados de iguarias para a celebração, calhava ser sábado e dia de descanso para alguns, de folga para outros e dia de santo magusto para todos... E enquanto a mesa ia ficando composta e a Dininha andava lá fora desafiando o lusco-fusco de volta das brasas para a prometida castanhada, iam nascendo como cogumelos conversas de actualização dos acontecimentos desde a última reunião, há sempre novidades acerca deste mundo-cão que gira depressa demais...
Mas esta noite em particular trazia outro aliciante, depois das castanhas e da ceia entraria em cena a saudosa queimada, ideia da Jú e coisa que já não era feita por nós há décadas... E que melhor ocasião para encenar esse ritual de afastamento de maus espíritos, bruxas e maus-olhados do que uma reunião de amigos e em que alguns deles têm tido tão pouca sorte entretanto que até parece terem sido amaldiçoados? Obriga a tradição oriunda da Galiza e do norte de Portugal que após a ceia e na obscuridade da noite se reúnam os comensais ao redor do pote onde se vai elaborar esse purificador licor, de preferência com as luzes apagadas...
Manda a lenda que num pote de barro se deve botar a aguardente (e neste caso o Jorge Humberto fez questão de ser uma de medronho lá do Estreito, mal empregada pensei eu!) e o açúcar amarelo na proporção de 120 gramas por cada litro; depois juntam-se pedaços de maçã, uvas, cascas de limão ou de laranja e alguns grãos de café por moer; mexe-se tudo; à parte, colhe-se uma porção da bebida com uma concha, sem limão nem café, e pega-se-lhe fogo; seguidamente introduz-se a concha a arder no pote e mexendo devagar vai-se permitindo que as chamas do álcool subam em cascata... Espera-se que a queimada se apague por si própria e depois há que recitar o esconjuro, desta feita a meu encargo:
João Abelhudo
O Esconjuro é, seguramente, letra para integrar próximo álbum dos Mão Morta ou do Adolfo Canibal...
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