VIAJAR LENDO COM OS OUVIDOS...
Na sessão dos Livros a Oeste que juntou as letras e os sons, ou seja, a literatura e a música, foi Rui Eduardo Paes quem iniciou as hostilidades ou não fosse ele um influente crítico musical que escreve sobre música desde os longínquos anos 80 até à actualidade numa longa viagem em que aborda a música não só como manifestação artística mas também sociológica, filosófica, económica e até política:
"Toda a manifestação artística é política! Vivemos em rede, não somos uma ilha, nada é uma ilha..."
Depois João Carlos Callixto, investigador musical e autor de programas radiofónicos e televisivos como, por exemplo, o "Gramofone", no qual recupera memórias audiovisuais a partir do riquíssimo espólio do arquivo da RTP, viajou até ao passado ao chamar à baila um curioso caso:
"Aquela a que se chamou de canção ligeira é uma coisa muito vasta, veja-se o João Maria Tudela que em 1969 apareceu no Natal dos Hospitais a cantar "Cama 4, Sala 5", com letra de Ary dos Santos e música de Nuno Nazareth Fernandes e que é um manifesto contra a guerra colonial ao contar a história de um soldado ferido internado no hospital... Consta que Ary dos Santos só foi convencido a fazer a letra porque a emissão era em directo, aí não havia censura. A carreira do Tudela acabou ali, seria proibido de actuar na RTP até Abril de 1975!"
E depois, Adolfo Luxúria Canibal, também homem de letras e poesia mas o único músico em palco revela uma viagem eternamente adiada:
"Quando comecei a escrever para os MÃO MORTA a ideia não ia além dumas férias em Berlim, dar uns concertos e regressar, nada mais que isso e escrevi para alemães em português e na altura tive a profunda consciência de que não interessava o que estava a dizer mas sim o som das palavras que entravam na música e que poderiam tocar alguma corda sensível de um público alérgico à língua portuguesa. A viagem acabou por não se realizar e só mais tarde dei importância ao significado das palavras ao contar histórias e narrativas..."
O Jardim - MÃO MORTA
"Há tanto tempo que não me ocupo do jardim
A última vez estava frondoso
A buganvília a tingir-se de vermelho
Trepando o perfume inebriante
E as festas ao cair da tarde
Parece que foram há séculos
Noutra encarnação
Os meus amigos traziam as bebidas
E a jovialidade
O jardim enchia-se de gente, de beijos
Pelos cantos sôfregos de desejo
Inventamos planos de rebelião
Sonhos de transmutação
Passámos horas a inventar
Entre duas carícias
Surgiram ideias puras e inocentes
Como a nossa vontade de tudo abarcar
Era um frenesim constante
Faz-me pena agora
Olhar para ele
Para as suas sebes abandonadas
De ramos retorcidos jaz tombada a grande epícea
E uma enorme cratera
Substitui os belos canteiros de outrora.
Há tanto tempo que não me ocupo do jardim...
Há tanto tempo que não me ocupo do jardim...
(Adolfo Luxúria Canibal)
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
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