segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

 

 ENCONTROS IMEDIATOS DO CORREDOR


Vendo a cada custosa passada a copa das árvores a crescer lá no cimo da subida para Valmedo ou afogando-se lentamente pela íngreme descida que desagua no mar da Peralta, explorando os segredos do planalto das Cezaredas ou equilibrando-se pelos trilhos das falésias entre Paymogo e São Bernardino, o corredor que explore a natureza selvagem deste oeste profundo não consegue fugir a um fatal destino, pode demorar o seu tempo mas vai coleccionando encontros imediatos com muita bicharada bravia que felizmente ainda vai resistindo às ameaças que as intensivas actividades humanas representam para os seus habitats naturais... De facto, nesta nossa vidinha cada vez mais tecnológica e virtual vamo-nos esquecendo que a natureza que nos rodeia, muitas vezes até à volta da nossa própria casa como é o meu caso aqui em Valmedo, está viva e cheia de bicharada curiosa, que o diga eu que nas minhas corridinhas e caminhadas por aí já me cruzei com um javali a atravessar o caminho à minha frente e que nem reparou em mim, já dei de caras com uma gineta em contra-mão em pleno trilho do Vale da Cornaga, já surpreendi um cão vadio sentado a contemplar o sol poente, parecia estar ele a fazer o seu yoga e que depois ao dar por mim se revelou ser afinal uma raposa tal era o seu magnífico rabo de uma pelagem rubra, para além de asnos tresmalhados, rebanhos de cabras, cavalos e éguas a comerem das suas banheiras e outros bichos mais, não falando das cobras e outros répteis ou das magníficas aves marítimas que revolteiam nas falésias quando o exercício é à beira-mar ou então das águias e outras rapinas que avisto quando demando a floresta ou ainda das perdizes aos magotes e aos mais raros mas pouco assustadiços faisões... E cada um desses encontros imediatos me deixa fascinado e torna o dia especial, pena é que só aconteça de vez em quando...

"O texugo de Valmedo" - Jean-Charles Forgeronne

Ontem pelo lusco-fusco, já em ritmo de recuperação e satisfeito pelo bom treino que tinha acabado de fazer, vinha a descer do Toxofal quando ao aproximar-me de casa noto ao fundo algo estranho, em cima de uma pedra abandonada em cima de um poste há muito abandonado e num terreno há muito abandonado alguém ali abandonara há pouco um animal! Que raio, ouvi-me dizer em voz alta, que vem a ser isto?  Tinha o tamanho de um cão mas não o era, nem tão pouco um gato por maior que fosse e depois, ao reparar nas patas e nas garras tive a certeza que era um bicho do mato, mas o que seria? Do focinho, uma mistura de focinho de cão e focinho de porco, escorria um fio de sangue ainda líquido, ou o bicho tinha sido atropelado ou então morto à paulada, pensei, mas porque raio estava ali exposto? Bom, talvez fosse um sinal de aviso para os da sua espécie como que a mandá-los embora, é que por ali há muita capoeira e a criatura tivesse sido surpreendida a atacar a criação... O mistério foi-me desvendado esta manhã quando encontrei o meu vizinho Serralha, personagem simpática e curiosa ou não passasse ele quase todos os dias a apascentar de varapau na mão as suas galinhas e perús por ali ao ar livre como se de um rebanho de ovelhas se tratasse, para além de ocasionalmente também passear o seu gato assustadiço de coleira ao pescoço como se de um cão se tratasse... E à minha pergunta respondeu-me ele: "Este bicho é um TEXUGO-PORCO"!  E que tinha sido atropelado lá em cima no estradão e que havia duas espécies de texugo: o TEXUGO-CÃO e o texugo-porco! Cada um foi à sua vida e eu, curioso e inquieto, assim que pude fui investigar: era de facto um exemplar da espécie texugo europeu, de baptismo científico Meles meles e primo dos furões, das doninhas e das lontras. Embora apresente uma dentição típica dos carnívoros o texugo é omnívoro, tanto janta pequenos mamíferos como ratos e outros pequenos roedores como pode cear insectos, minhocas ou larvas e além disso, como é de boa boca, também se avia tanto com répteis e anfíbios como com pequenas aves, não descurando ainda frutos e raízes...Além disso, adora mel, o guloso!

Em relação à distinção popular entre o texugo-cão e o texugo-porco não passa de confusão porque trata-se da mesma espécie, só que de Inverno o bicho engordou e apresenta uma pelagem mais espessa e chama-se-lhe então porco enquanto no Verão, mais magro e com menos pêlo, chama-se-lhe cão! O texugo é também de uma coragem a toda a prova, luta sem tréguas e sem medo perante serpentes venenosas, lobos, raposas e até ursos, vencendo muitos desses combates e de entre muitas outras curiosidades dignas de serem descobertas salienta-se o facto de enterrar os seus mortos! Apesar de tudo, as principais causas de morte da espécie são os atropelamentos por automóveis e a desflorestação!

Provavelmente não me cruzarei nunca mais com outro texugo, afinal é raro encontrá-lo porque é um animal de hábitos nocturnos mas se tal acontecer espero que seja aos saltos em plena floresta aquando de uma corrida e não à beira de uma estrada qualquer...

João Atemboró
(Naturalista de Valmedo)

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