EFEMÉRIDE # 62
FRIDA E AS SUAS MIL FERIDAS...
Num mero mas diabólico segundo da manhã do dia 17 de Setembro de 1925 ficaria marcada por vinte e nove anos a vida de FRIDA KAHLO, nesse fatídico momento a então jovem de 18 anos que aspirava a ser médica dirigia-se para a escola quando num ápice um eléctrico abalroa e tritura um dos lados do autocarro onde ela seguia. Houve vários mortos e FRIDA, numa obra irónica e perversa do destino, é encontrada nua na amálgama de ferros retorcidos, coberta de sangue e de tinta dourada vertida de uma lata que alguém transportava, uma mistura simbólica daquilo que seria o seu mundo a partir desse instante, sofrimento e arte...
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A cama de FRIDA, Rivera e a pintura... |
O relatório é monstruoso: FRIDA foi literalmente empalada, o corrimão da viatura perfurou-a por um flanco e saiu pela vagina, a sua coluna foi partida em três sítios, fracturou várias costelas, partiu a cabeça do fémur e a pélvis e as pernas foram fracturadas em mais de dez sítios, para além de ver o pé direito esmagado, aquele mesmo que já tinha sido vítima da poliomielite aos seis anos...
Confinada desde então a uma cama durante a maior parte da sua vida, um leito enorme com quatro colunas e um baldaquino, qual trono e altar de uma rainha do sofrimento, Kahlo socorre-se da sua enorme coragem e vontade de viver e só tem uma saída: a pintura, essencialmente auto-retratos porque, como disse: "Pinto-me a mim mesma porque estou muitas vezes sozinha e porque sou o tema que melhor conheço". E do seu dossel sobressaíam duas coisas: um espelho onde ela se contemplava para se retratar e um esqueleto em cartão, sinal da morte que a esperava e que muitas vezes desejou!
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"Coluna partida" |
Frida morreria com apenas 47 anos de idade e na sequência daquelas mazelas do maldito acidente, um alívio se considerarmos o enorme suplício porque passou, úlceras constantes no pé, costas deformadas e que lhe provocavam dores atrozes e que nem as dezenas de espartilhos de ferro, couro ou gesso que lhe aplicaram conseguiram mitigar... As dores eram tantas que para as aguentar se via obrigada a beber uma a duas garrafas de conhaque por dia e, já na parte final, a socorrer-se da morfina, e só entre Março e Novembro de 1950, com 43 anos de idade e após 25 anos da ocorrência do acidente, foi sujeita a 6 (seis!) operações à coluna!
A obra de FRIDA KAHLO gira em torno do corpo e do sofrimento físico, ou não tivesse ela dito que "Nunca pintei sonhos, pintei apenas a minha própria realidade", e apesar de ter passado despercebida então muito por culpa de ter sido abafada pela fama e pelo peso de Diego Rivera, marido tóxico e ídolo, seria-lhe dado mérito décadas mais tarde... O próprio Rivera reconheceria que "Frida é melhor pintor que eu"!
E como a vida teima em nos surpreender quando menos se espera eis que agora mesmo anda tudo exaltado com a fantástica descoberta de uma inédita gravação da voz de Frida na leitura de um poema dedicado ao seu controverso marido, qual relíquia de santo ou divindade... E lá que a voz é melodiosa ninguém discordará, mas mesmo que fosse gaga ou roufenha não diminuiria nada Kahlo, ela valeria pela sua arte! Ainda um dia destes irá aparecer um pelo do seu famoso bigode à venda por milhões!...
João Plástico
(Artista de Valmedo)
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