E DO CALHAU BROTA A BELEZA...
A manhã ia a meio mas não se via vivalma pelas ruas do Moledo, apenas um gato e dois irritantes cães vadios que ladraram à minha passagem deram sinal de vida naquele sábado que já cumpria com o calor prometido... Virei junto ao clube e aproveitei para tirar uma foto ao mural dos ColorBlind, calhou bem porque assim arranjei uma auto-desculpa para recuperar um pouco, é que embora o ritmo da corrida tivesse sido lento até então e muitas vezes assim era para poder admirar novamente as obras por ali espalhadas e às vezes escondidas, o certo é que as pernas acusavam o desgaste da falta de forma e de terem que carregar com algum peso a mais, já não falando da idade que também vai pesando um pouquito mais... E então, quando já delineava o percurso final até ao carro, lá do alto e por detrás do moinho do Pantónio começou o barulho, uma mistura de frenéticas pancadas com o estridente som de uma ferramenta eléctrica e então voltou-me o ânimo ao imaginar que poderia ser alguém a fazer escultura ao vivo como tinha lido ali no cartaz ao lado a anunciar o CALHAU#1... Subi até ao moinho e vi uma nuvem de pó que engolia um vulto de branco que de rebarbadora na mão lutava contra um enorme calhau, e de tão concentrado que estava na sua hercúlea tarefa nem deu pela minha aproximação. Quando parou a irritante ferramenta e se preparava para a pousar no andaime, António da Cunha, o artista em questão, olhou para minha direcção e aí aproveitei:
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António Cunha e a gestação da sua obra... |
- Bom dia! Posso tirar uma foto ao artista trabalhando?
Ele pousou a pesada ferramenta com alívio, levantou os óculos e tirando a máscara respondeu numa voz simpática:
- Bom dia! Claro que sim...
Apontei a câmara e lá tirei o desejado retrato e não me ocorreu mais nada para dizer a não ser:
- Então quando fica a coisa pronta?
- Oh! Ainda falta muito! Nem sei se estará concluída ainda durante a mostra de arte, vamos a ver...
Olhei em volta e disse:
- Bem, fica num belo sítio...
- Pois, eu também acho mas parece que a ideia é levarem-na depois lá para baixo, para o centro...
- Bem, no centro também não ficará mal!
- Pois, mas no centro há já muita coisa e depois a atenção das pessoas dispersa-se um pouco enquanto que aqui...
E eu percebi que ele se referia ao síndrome do museu, do qual eu também por vezes padeço, especialmente naquelas colecções com demasiadas peças, uma pessoa passada meia hora já viu tanta coisa que vai deixando de prestar muita atenção ao que ainda falta ver e depois olha com menos vagar e começa a ficar deserto por terminar a visita...
- Já agora, sabe o que é? - perguntou o artista apontando para o calhau atrás de si.
- Não, apenas li no programa que o senhor e mais alguém estariam por aqui a criar a obra ao vivo...
- Pois vou-lhe mostrar. - e retirou dentro daquilo que promete vir a ser um cálice uma pequena peça que à distância a que eu estava e pela coroa visível me pareceu ser um busto de uma rainha, Inês convenci-me logo...
- Está prometido que virei no próximo fim-de-semana ver o resultado final...
- Vamos a ver...
E despedi-me com um aceno, já tinha roubado tempo demais no seu acto de criação. Mais tarde arrependi-me de não ter perguntado mais coisas, afinal sai dali sem saber se aquilo era apenas um molde e depois aquela cabeça seria maior em tamanho, onde se encaixaria naquele cálice, etc, e agora só resta ir espreitar mais umas vezes e depois desfrutar a obra acabada.
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António da Cunha e a obra em gestação... |
Um pouco mais à frente, ao virar da rua, deparei-me com o atelier de outra artista, a Clara Ribeiro, ausente na altura e que espero encontrar numa próxima visita.
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Atelier da artista ausente... |
E enquanto a arte vai nascendo a pouco e pouco, brotando dos calhaus em tempo real, pode-se aproveitar para admirar as obras que por Moledo já lá vivem há anos e outras que, possivelmente ainda inacabadas, carecem de informação em relação à sua autoria, como é o caso das pinturas em plena pedra das casas, algumas delas em ruínas...
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"Padeira e a sua fornada" |
João Plástico
(Artista de Valmedo)
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