quinta-feira, 11 de outubro de 2018



JAMES, O SANTO...



Amigos caninos, é com alívio que vos narro esta história extraordinária porque, como verão, não me foram nada fáceis os últimos tempos... 
"Estás mal habituado!" - dir-me-ia o J.C, na sua simplista maneira de ver certas coisas e teria alguma razão porque, reconheço, passei demasiado tempo de ansiedade que me desregulou o apetite, o sono e sei lá que mais... O sol nasceu várias vezes e nem sinal dele, coisa extraordinária porque, geralmente, um ou dois dias, como dizem os humanos, era a medida da sua ausência, mas agora, que a coisa passou desses limites, pressenti que era diferente, algo de importante estaria a acontecer, ele não me iria abandonar desta maneira e sem avisar. Mas agora, mais calmo, relembro o abraço mais demorado do que o costume, as festas mais exuberantes e as palavras sussurradas na orelha que só acontecem raras vezes, quando a distância é mais que longa e aperta, sei-o agora...


E meus amigos, quando ele me chega em cima daquela esquisita maquineta, sujo, cheirando mal e com um aspecto terrível, só pensei que ele vinha do inferno mas eis que a primeira coisa que lhe oiço é:
 - JAMES, meu santo!
Eu, santo? Estão a ver, meus amigos caninos, o meu ar surreal ao ouvir estas mirabolantes palavras e limitei-me a ficar sentado, aguardando que se fizesse luz na minha mente.
- Bicho, tiveste saudades minhas?
Aqui apeteceu-me, pela primeira vez ferrar-lhe o dente, tipo "isto não se faz ao melhor amigo, seu estúpido", mas contive-me mais um pouco...
- Sabes, fui peregrinar até um dos locais mais venerados do mundo, James, Santiago! E tudo devido a alguém como tu, chamado JAMES.
  - E o que é que se faz lá? - questionei, deveras impressionado com o seu mau aspecto, este era um J.C bem diferente daquele que daqui tinha partido há algumas luas atrás, até os seus olhos tinham um brilho mais luminoso.
    - Ora, James, há quem vá lá para pedir graças divinas, há quem vá agradecer algo de bom que lhe aconteceu, há quem vá para perdoar os pecados, há quem vá apenas para viajar e conhecer novas paisagens e até há quem vá apenas para tirar fotos para mais tarde recordar...
     - E tu, porque foste?
     - Eu fui para me apartar um pouco deste mundo louco e exigente que nos rouba tempo para a reflexão, para meditar... Quebrar o ritmo, acalmar, falar com nosso espírito, encontrar o equilíbrio, foi para isso.
   - E resultou?
  - Claro! Então não reparas que estou diferente?
  - Também gostaria de peregrinar um dia. - lancei para o ar, talvez a ideia pegasse...
  - Sabes, pelo caminho pensei várias vezes que adorarias ter ido também a Compostela, há muitos caminhos, carreiros e paisagens que irias gostar de explorar. Desta vez não foi possível levar-te porque fui nesta máquina maravilhosa - e apontou para a bicicleta - mas se voltar lá para fazer o caminho a caminhar, e se te portares bem até lá, levo-te comigo. Vi lá vários cães peregrinos a acompanharem os seus donos na sua caminhada....
Não resisti, amigos caninos, saltei-lhe para cima e dei-lhe um grande abraço canino!
  - Calma, bicho! Estás a lambuzar-me!


"Mentalizando-me para a minha peregrinação..."


E quando eu pensava que já nada me surpreenderia no mundo humano, eis que o J.C me demonstrou porque há tanta confusão e guerra de palavras entre as pessoas, disse-me ele:
     - E uma grande razão para ires lá, James, é que o santo que lá mora chama-se exactamente JAMES!
     - A sério?
     - JAMES, como bem sabes, é um nome inglês, que deriva do italiano GIACOBO, que deriva do latim IACOBUS, a mesma coisa que JACOB, o nome original do apóstolo. Em francês, Jacob derivou para JACQUES e aqui, na nossa língua lusitana que reina por Verde-Erva-Sobre-o-Mar, deu em TIAGO... Por isso, quando se vai à Galiza em peregrinação visita-se JAMES, JACQUES, JACOB, GIACOBO, IACOBUS ou TIAGO. Pelo menos, James, podes ficar orgulhoso por teres um nome tão especial!
Amigos caninos, eis a prova que nós somos muito mais evoluídos que os humanos, temos uma linguagem universal, todos nós ladramos as mesmas palavras e entendem-mo-nos todos, seja aqui ou no outro lado do mundo, enquanto eles têm milhentas linguagens e como cada humano só fala uma ou duas línguas, e até há alguns que nem falar sabem, estão a ver a confusão, aquilo que eles chamam de Babilónia...
E enquanto o J.C foi para dentro arrumar as suas tralhas eu farejei as rodas da sua maquineta e entrei em êxtase, amigos caninos, senti fortes odores do mundo cão e tantos aromas a natureza pura que me deitei à sombra da imaginação a matutar na minha própria peregrinação...


JAMES
(Cão de Valmedo)

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