A NATUREZA É PARA SER VIVIDA...
A Boca do Lobo, assim seria conhecido há tanto tempo atrás que a memória esqueceu a razão, o território que hoje faz parte da Reserva Natural do Paúl do Boquilobo... E embora já não se encontrem nela lobos, esta zona húmida, que depende integralmente dos caudais dos rios Tejo e Almonda, é considerada desde 1981 pela UNESCO como uma Reserva da Biosfera tal é a sua importância para a conservação da biodiversidade biológica e para o desenvolvimento sustentável da natureza.
São os salgueiros que dominam a vegetação, delimitando as linhas de água e proporcionando o refúgio e a sombra para muitas espécies nidificantes enquanto que, aqui e além, ondulam ao vento maciços de canaviais e bunhais. Sob as águas reina a enguia, secundada pelo ruivaco e pela boga e embora pelos ares esvoacem 221 (!) espécies de aves, o Paúl do Boquilobo, para além de ser o único local em que se reproduz o zarro-comum, uma espécie de pato, destaca-se por ser o mais importante santuário das garças em Portugal, seja a castanha ou real, seja a vermelha, a branca ou a de qualquer outra cor! E, num dia sorte, numa excursão pelas margens alagadas, ainda podemos deparar com diversas espécies de mamíferos como a lontra ou o toirão...
Por toda esta zona onde agora se estende a Reserva e que fez parte da QUINTA DO PAÚL, que foi pertença dos TEMPLÁRIOS há muitos séculos atrás e também pela influência da proximidade da Matriz da Golegã, de Torres Novas e de Tomar, cheira a muita história, muito segredo e muita conspiração...
E oxalá ainda haja muita história para contar, de muitas inundações do Almonda e do Tejo, de muitas migrações e reproduções de aves, de muito ecossistema sustentável, de muita beleza para ser contemplada... E de revelações, como aquela que tive enquanto estava confortavelmente sentado num tronco apodrecido, de máquina em punho e alerta esperando pela visita de uma garça distraída, e eis que ouço um rumor vindo de nascente, um frémito desconhecido que ecoou pelos ares (um tchu tchu tchu compassado...) e que por meia dúzia de segundos me deslumbrou: uma águia-pesqueira cruzou a baixa altitude o meu horizonte, quase à tona das serenas águas, num voo tão rápido quanto elegante que não me deu tempo de reacção, nem me mexi, máquina pendurada na mão, olhos enfeitiçados e espírito deslumbrado... Mas naquela efémera visão de um outro mundo, um mundo dentro deste mundo e que nos passa despercebido a maior parte do tempo, ainda tive o discernimento para reparar na incógnita presa que ia à boleia daquelas garras de rapina, quieta e serena como todo o ambiente envolvente, e naqueles breves segundos pude contemplar a natureza no seu esplendor e aquela breve imagem nunca irei esquecer, ao contrário de milhares e milhares de horas de documentários sobre paraísos selvagens que já vi ou que possa ainda ver....
João Atemboró
(Naturalista de Valmedo)
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