sábado, 17 de fevereiro de 2018

MANEIRAS  CANINAS À MESA...



- Já p'ra baixo! Tira o focinho daí... Rua!...
E continuava: - Queres lá ver...! Vê lá se queres ir para a corrente! ... Tás a vê-la? 
Era isto, amigos caninos, que eu, de orelha encolhida, ouvia da boca endiabrada do J.C, tudo porque não consigo resistir ao cheiro dos pitéus que se fazem cá em casa...
Usei a táctica do costume, quedo e mudo por uns minutos que me parecem sempre ser meses de vida e, quando a coisa acalma, volto a entrar de mansinho, pata após pata, colado à parede, num silêncio absoluto e transformo-me numa estátua grega, atrás do J.C...


Por sorte, a sua cadeira está situada num perfeito alinhamento, uma estratégica localização que me permite, quando ele numa fracção de segundo se vira para a salada ou para se servir um pouco mais do tacho, dar três passos e abeirar-me da cadeira da N. ou da L., especialmente desta porque sempre está do meu lado... Então, a L. aceita a minha pata estendida e ocorre uma troca de olhares que decidirá o meu futuro: ou fico ou rua! A L. olha para o J.C, o J.C olha para mim, eu devolvo-lhe um olhar submisso e enternecedor, o J.C. olha para a L. com chispas nos olhos e então eu sei que poderei ficar desde que me porte bem...
Mas nem sempre isso é possível! Nem sempre nem nunca, às vezes aguento bem mas há dias em que o cheirinho é tão intenso e delicioso que não consigo evitar e debruço-me sobre a mesa, um acto de desespero, bem sei, mas irresistível... Afinal somos apenas cães, animais de desejos fortes e viscerais, não concordam amigos caninos?
 - Este bicho, do modo como se comporta, nunca poderá ir comer connosco fora, agora que uns iluminados decidiram permitir a entrada de cães nos restaurantes! - lançou o J.C.
  - Mas podemos ensiná-lo... - respondeu a L...
  - Não te dês ao trabalho! Mesmo que o James ficasse quietinho e bem comportado no Antunes enquanto nós comíamos, é um absurdo... Esta gente quer tornar a sociedade animal uma cópia da humana, cheia de ideias burguesas e esclarecidas para se mostrarem como exemplos enquanto esquecem a podre miséria que jaz por baixo... Querem posar com o seu bichinho de estimação, fazer exposição nas redes sociais e assim mostrar que são muito à frente, até  que muitos deles abandonem o seu bicho mais-que-tudo quando forem de férias, só porque não dá jeito, é uma chatice... Preocupem-se é com aqueles milhões de cães que na sua vida inteira só viajaram os três metros que a corrente permite, abandonados a uma casota de um metro quadrado e passando fome... Ou então, deviam preocupar-se com os milhares de ataques de cães de raça perigosa que acontecem por ano, será que esses poderão jantar na mesa ao lado da nossa, ou será que corremos o risco de sermos nós o seu jantar? Mas esta gente e estes políticos de merda estão loucos?


Ninguém respondeu ao J.C, talvez porque não há resposta, esperemos para ver... Mas numa coisa estou de acordo com ele, amigos caninos, que importância tem isso de ir ao restaurante, o que é que isso interessa quando podemos invadir a cozinha da nossa família e, por vezes, deliciar-nos com umas saborosas sobras? E depois, o que é que isso interessa quando nos dão a liberdade suficiente para dormir ao sol, correr e praticar alongamentos, atacar o carteiro ou fazer uma dança de acasalamento com a cadela da vizinha? Espaço para viver! Não viver em três metros quadrados de apartamento ou três metros de corrente! Não será isso bem mais importante? Não troco tudo isso por uma ou várias idas ao restaurante, isso vos garanto, e  só para vos descansar, a corrente de que falava o J.C é um castigo apenas, quando me porto muito mal lá vou eu para o sacrifício de não ser livre... Mas  descansem, tenho sido muito bonzinho, já nem me lembro da última vez que me prenderam, talvez num dia em que o Benfica perdeu! Estou a brincar, amigos caninos....


JAMES
(Cão de Valmedo)

Sem comentários:

Enviar um comentário