segunda-feira, 12 de outubro de 2015

                          A CIGARRA TRABALHADORA E A FORMIGA PREGUIÇOSA


          Será que já não se pode acreditar em nada nem confiar em ninguém? Será o mundo tal como nos é apresentado uma mistificação completa e terá a História, em muitos casos, sido distorcida e aldrabada até ao ponto de ter criado falsos heróis e denegrido os verdadeiros corajosos? Esta não pretende ser apenas mais uma teoria da Conspiração mas que dá para ser muito desconfiado nos dias que correm... lá isso dá!
          Os assuntos das Fábulas de La Fontaine, lidas e admiradas no mundo inteiro, não lhe são originais, antes têm raízes no Oriente, na Grécia de Esopo (o verdadeiro criador da fábula enquanto obra literária) e até na tradição oral árabe, não esquecendo que muitas das fábulas são versões de outras muito antigas e isso reflecte o carácter universal da FÁBULA enquanto expressão das vicissitudes humanas tendo mesmo chegado a ser considerada irmã da poesia por Sócrates.
               Ora, na fábula talvez mais famosa de sempre, a formiga é apresentada como alguém incansável e trabalhador cujo grande e único objectivo é o sucesso da comunidade, abdicando do lazer e do prazer, enquanto a cigarra arca com o epíteto de preguiçosa e desleixada, ou seja, a má da fita...


           "A CIGARRA E A FORMIGA"                

            Tendo a cigarra em cantigas
            Folgado todo o Verão
            Achou-se em penúria extrema
            Na tormentosa estação.

            Não lhe restando migalha
            Que trincasse, a tagarela
            Foi valer-se da formiga,
            Que morava perto dela.

           Rogou-lhe que lhe emprestasse,
           Pois tinha riqueza e brio,
           Algum grão com que manter-se
           Té voltar o aceso Estio.

            «Amiga - diz a cigarra -
            Prometo, à fé de animal,
            Pagar-vos antes de Agosto
            Os juros e o principal.»

            A formiga nunca empresta,
            Nunca dá, por isso junta.
            «No verão, em que lidavas?»
            À pedinte ela pergunta.

            Responde a outra: «Eu cantava
            Noite e dia, a toda a hora.
            - Oh, bravo! - torna a formiga;
            Cantavas? Pois dança agora!»  

                                                            
                                                           "Fábulas de La Fontaine"
                                                            Tradução - Bocage
                                                            Editora Minerva, 4ª Edição, 1973


            Ora bem, investigadores norte-americanos da Universidade de Tucson, Arizona, após terem investigado recentemente o comportamento das formigas num estudo sujeito aos mais exigentes parâmetros de controlo de qualidade científica, e no seguimento de resultados alcançados em investigações anteriores, concluíram que metade (!) das formigas de uma comunidade NÃO FAZ ABSOLUTAMENTE NADA!!!!!  Rien du tout!!!!  Limitam-se a andar de um lado para o outro sem assumir qualquer tarefa, assumem os investigadores que parece que elas fogem de alguma coisa que haja para fazer, ignoram até qualquer sinal de alarme e portanto cultivam e assumem a OCIOSIDADE como lema de vida.... São preguiçosas, umas grandes calonas!!!! 
          Então que dizer da famosa capacidade de trabalho e dedicação incondicional à comunidade formigal apregoada há séculos pelas fábulas?    TRETA!!!!

     Depois ocorrem outros aspectos menos dignificantes para a formiga: sabiam que existe ESCRAVATURA  no seio das formigas? É verdade, assim que lhes é possível, as formigas de um formigueiro roubam as larvas de outro formigueiro e obrigam as "crianças estrangeiras" a trabalhos forçados até à morte, a efectuarem todas as tarefas que lhes não convêm! Depois há ainda o RACISMO! Sabiam  que se uma espécie de formiga dá de caras com outra espécie diferente ( e existem cerca de 15 000 espécies de formigas) elas não se toleram e lutam até à morte?

     A questão ganha outra importância se tivermos em conta que, apesar da triste figura de umas simples formigas, no total, elas representam o género animal de maior sucesso na história terrestre: ocupam todo o globo excepto os pólos (bendito frio!) e pesam 20% de toda a biomassa do planeta!!!! Ou seja, o peso de todas as formigas será superior ao peso de toda a humanidade!!!! Este planeta em que vivemos deveria chamar-se antes "FORMIGAL"...

                      A única desculpa aceitável para tanta inércia no formigueiro é, na mesma medida do humaneiro, a exagerada proporção entre população e tão poucos empregos, mas isso é muito relativo.... e passa a ser até uma questão política!.... É que muitas devem estar desempregadas por preguicite...



                     Bem. e a CIGARRA? Esse ser tão desprezível e humilhado desde sempre?  É verdade que passa o Verão a cantar o que não dá uma imagem de grande labor e organização social, mas sabem as razões? Aqui vão elas:
                        - a cigarra passa a maior parte da sua vida no subsolo sob a forma de larva (nalgumas espécies pode chegar aos 17 anos!) numa luta incessante para obter alimento e subsistência a partir das raízes de árvores e plantas;
                     - quando assoma à superfície passa imediatamente ao estado adulto  e  os MACHOS  têm como único desígnio conquistar uma parceira com o seu canto estridente (sexo e acasalamento a quanto obrigas!!!)... E que irritantes são às vezes, é verdade.... não há bicho que faça barulho mais incomodativo na natureza...
               - é nesta fase de estado adulto e procriativo que ocorrem os sons ultrasónicos e insuportáveis dos machos que podem atingir nas espécies maiores os 120 decibéis  (equivalente ao descolar de um avião!!!) e que duram apenas as poucas semanas do Verão, mas o suficiente para dar cabo da existência de qualquer ser vivo; parece até que os humanos não são os mais afectados por essa bomba atómica otorrínica,  outros animais, especialmente o cão, queixam-se uivando de dor por causa dela....
                        - depois de procriar a cigarra morre, após poucas semanas de cantoria, tranquila e com o sentimento de dever cumprido, contribuiu para a perpetuação da espécie, afinal que melhor objectivo de vida poderá existir? Parca recompensa por uma vida de sacrifício e abnegação em nome da descendência....
                       
                         Fica o aviso para quem neste submundo leva uma existência de sacrifício, abnegação e penúria como forma de conquistar a abertura das portas do céu, esse mundo lá em cima, luminoso e superior, é que pode muito bem acontecer-lhe o mesmo que à pobre da cigarra: uma vida alegre  e descansada demasiado breve.... não valerá tanto esforço!

          E agora, quem é mais nobre? A formiga, que segundo Bocage nunca empresta e nunca dá e só junta,  qual sovina, (hoje em dia alguém que não seja solidário é viável?)  ou a cigarra, que do seu talento e arte tudo deu, sem pedir nada em troca e ainda por cima alegrando e aliviando as rotinas daqueles que trabalhavam?  No mundo actual, alguém que seja tão agarrada ao seu espólio e que não contribua nem com uma migalha para as desgraças alheias, será assim uma criatura digna de encómios?  

               Eu, por mim, prefiro alguém que me dê música  e alivie a carga desta miserável existência do que outrém que apenas me dê sermões de austeridade e conformidade...! E só falta que alguém ainda venha a descobrir que aquelas formigas ociosas passam o tempo a cantar para aliviar a canseira das obreiras!!!!? Seria o cúmulo, mas nesta vida tudo é verdade e tudo poderá ser mentira, certo?

                            Resta dizer que a única objecção a este estudo tem a ver com o facto de  a investigação em causa ser americana, oriunda da pátria das TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO, donde nunca se sabe o que é verdadeiro ou falso, e afinal em quem poderíamos acreditar (CIA? FBI? NCS?) Na América, nunca se sabe quem são os BONS e os MAUS, verdade!!!!?

                                    Conclui-se então que as fábulas, afinal, não são intemporais e que há que reinventá-las!  Um La Fontaine actual e pós-modernista precisa-se....

                  Mas, em último caso, e não sabendo o que nos calha lá em cima, mais vale levar a curta existência em diversão do que em lamentação crónica....



João Alquimista

(Investigador de Valmedo)    

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