A PAIXÃO PELO CARTEIRO
- Vamos os dois presos, James! Ou antes, vou eu preso duas vezes, uma porque sou responsável por ti e outra porque antes disso mato-te, ouviste? Tens que te deixar dessa mania parva! - gritava-me o J.C de olhos esbugalhados, indicador ameaçador na minha direcção e espumando da boca, coisa que só pensava possível na nossa espécie.
Amigos caninos, a coisa ficou séria cá em casa e novamente por causa do parvo do carteiro e eu, que até estava convencido que tinha despachado de vez o homem porque já há muito tempo que não dava sinal, mais uma vez, não me contive e desatei a pular para a grade do muro ao som do melhor ladrar de que sou capaz, pena não conseguir esticar-me mais uns centímetros para lhe ferrar o dente. E confesso que, talvez devido à minha juventude, sinto curiosidade em descobrir a sensação de uma boa ferradela mas daí a tornar-me uma ameaça vai uma distância maior do que o muro que me separa de quem passa na rua, afinal sou um animal de paz e só quando me provocam é que me entusiasmo um pouco mais. Não estivesse ontem o JC em casa e esta crise não teria surgido, eu não teria sido apanhado em flagrante delito e a minha relação com o carteiro não se teria tornado numa questão séria de psicologia comportamental canina. O pior é que estou convencido de que cá em casa ninguém percebe patavina das razões que nos assistem para esta paixão para com o carteiro (e cada um de nós terá as suas), se não reparem nesta conversa de almoço que a minha orelha encostada à porta da cozinha conseguiu apurar:

- Bem, sabem que esta fixação que os cães têm pelos carteiros é mais grave do que apenas uma simples implicação? - dizia o JC - Só na Grã-Bretanha, nos últimos 2 anos, 6000 carteiros foram atacados por cães! E no Brasil a mesma coisa, 5000 ataques nos últimos 5 anos!
- Fora aqueles que não foram contabilizados porque o cão escondeu o cadáver do carteiro que continua dado como desaparecido...- tentou o M fazer humor, influenciado pelas séries policiais.
- E a multa mínima por uma mordidelazinha é para cima de 3000 euros.
- E cá, quanto é? - perguntou a L.
- É melhor não sabermos - retorquiu a N.
- É melhor é prender o cão até o carteiro vir, o problema é que não tem hora certa.
- Isso não! Proíbe-se antes o carteiro de cá vir...
- Podemos sempre mudar a caixa do correio para um sítio em que o James não consiga ver o carteiro - aventou o M.
- Temos é que fazer um seguro que cubra danos físicos em carteiros - lançou a N.
- Mas porque é que os cães têm esta pancada pelos carteiros? - quis a L. saber.
- Há quem diga que é porque entendem o carteiro como um estranho que, por nunca ser convidado a entrar, não é benvindo e depois como pára ali, a mexer e a olhar, estará a estudar a melhor estratégia para invadir o território.
- Eu acho que é do barulho da mota, ele ladra a todas as que aqui passam. - opinou o M.
- Há quem diga que é pelo prazer que têm por conseguir afugentar sempre o homem, se o carteiro ficasse à conversa com o cão talvez se tornassem amigos....- disse o JC, mas arrependeu-se e corrigiu - Bem, talvez não fosse boa ideia, ele há cada cão mais amigável....
- Eu se fosse carteiro trazia sempre um biscoitinho para cativar os cães - disse a L.
- Gastavas o ordenado todo nessas prendas - retorquiu a N.
- Então e o que vamos fazer?
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Esperando pelo carteiro |
Estão a ver, amigos caninos, a confusão que vai nalgumas cabeças humanas? Como é que eu poderei mostrar que esta excitação pelo carteiro não passa de uma resposta instintiva e até saudável porque, para além de dar pica, corta a rotina diária e dá-nos uma agradável sensação de confiança, afinal preservamos a segurança do lar. E não vos parece estranho que os humanos ainda não saibam do dom especial que a nossa espécie tem de, apenas com uma farejadela e um olhar, conseguirmos ver o interior das pessoas e saber dos seus bons ou maus instintos? E é por isso que eu não ladro a todos os estranhos, ainda há pouco veio cá um grande amigo do JC com uma barba suspeita de talibã e apesar de nunca o ter visto até então na minha curta vida senti imediatamente uma corrente de boa energia e instinto positivo, daí tratei-o como se frequência de longa data se tratasse embora por medida de precaução ainda o farejei de alto a baixo não trouxesse ele algum explosivo oculto. E é isso que se passa comigo, primeiro avalio a alma do sujeito e depois se verá, porque embora não ache piada ao barulho da lambreta do carteiro que aqui vem a principal razão que me leva a saltar para ele é a sua antipatia, nunca me deu nada, nunca disse uma palavra e depois olha-me com aquele ar de desconfiado como se eu alguma vez lhe tivesse roído a canela, tudo menos vontade de fazer amizade. E depois, a maior injustiça que me fazem é esquecerem-se de que este carteiro não é nada simpático para o JC, quantas vezes eu já o vi a abrir cartas para depois desabafar enquanto coça a cabeça: "nada de jeito, é só merdas para pagar"... Ora, o que eu tento fazer mais não é do que evitar que o carteiro leve a família à falência e quanto mais agressivo eu for talvez menos cartas desagradáveis cheguem...
Amigos, que tal escreverem-me a relatar as vossas experiências com os vossos carteiros e a trocar ideias sobre este assunto? Assim, com um pouco de sorte estaria sozinho à espera do carteiro e, como as cartas me seriam endereçadas, talvez o carteiro mas quisesse dar em boca!
Há carteiros fixes
James
(Cão de Valmedo)