domingo, 3 de agosto de 2025

"Flamengos abaixo...", Faial

 Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

"O ilhéu e o cão", Museu das Lajes do Pico - Foto:Jean-Charles Forgeronne

 
SCRIMSHAW, UM PASSATEMPO ARTÍSTICO...

Scrimshaw é uma palavra da língua inglesa que designa a arte de entalhe, gravação e pintura em marfim, especialmente em dentes e ossos de mandíbula de cachalote... Esta arte começou por ser realizada a bordo das barcas baleeiras americanas que dominaram a caça à baleia a nível mundial entre 1820 e 1880, época em que o mundo era iluminado a óleo de baleia e as máquinas da Revolução Industrial exigiam quantidades astronómicas de lubrificante; ora, os homens que eram contratados, muitas vezes à força, passavam muito tempo em alto mar, chegavam a andar 4(!) anos embarcados, e sem nada para fazer os mais dotados iam dando asas às sua criatividade... 

"Museu das Lajes do Pico" - Jean-Charles Forgeronne

E os camponeses açorianos que eram contratados pelos americanos e que se revelaram, nas palavras de Herman Melville em "Moby Dick", os melhores caçadores de baleias, também se tornaram exímios artistas na arte do scrimshaw e originando depois uma indústria de artesanato com grande procura a partir do século XX e onde despontaram grandes artistas como por exemplo Frank Barcelos, terceirense da Praia da Vitória mas radicado na América desde cedo e que chegou a ser considerado o maior artista mundial desta arte no seu tempo... 

"Museu das Lajes do Pico" - Jean-Charles Forgeronne

A arte parece em declínio, já Barcelos avisava em entrevista ao Público em 1990, pouco tempo depois do fim da caça à baleia no arquipélago, que a actividade estava a morrer nos Açores, "um moço no Faial, um rapazito na Praia, um faroleiro de São Miguel que fazia coisas bonitas - não sei se morreu - e mais uns poucos"... E hoje, pondo de parte o mercado paralelo de cópias em massa sintética, o verdadeiro e genuíno scrimshaw parece confinado apenas aos museus ou a colecções particulares, valendo as obras originais dos antigos artistas verdadeiras fortunas... 

"Museu do Peter's" - Jean-Charles Forgeronne

João Plástico
(Artista de Valmedo)

sábado, 2 de agosto de 2025

 
CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - LXI

QUANDO NEPTUNO ESTEVE NA HORTA...

Entre o meio-dia e as quatro da tarde do dia 15 de Fevereiro de 1986 abateu-se sobre os Açores e especialmente sobre a Horta a maior tempestade do século XX, atingindo o vento 250 Kms/h, a altura das ondas era de 15 a 20 metros e a altura da rebentação chegou aos 60 metros... Quem nesse sábado andou pela baía de Porto Pim a fotografar o acontecimento foi José Henrique Azevedo, filho do Peter e actual gestor do estabelecimento, e quando dois anos mais tarde ao querer mostrar com mais facilidade aos iatistas a dimensão da tempestade e ao passar duas fotografias de diapositivo a papel algo de extraordinário se revelou...



Foi até um empregado do café que ao ver Azevedo de volta das imagens reparou que no momento em que foi tirada uma das fotografias se tinha formado na rebentação da onda uma figura humana, reconhecendo-se o cabelo, os olhos, o nariz, a boca e a barba, só poderia então e a propósito chamar-se-lhe Neptuno, o deus dos mares... O deus parece até estar descansando ou apenas observando, deitado e de cabeça recostada numa das vertentes do Monte da Guia, como se não fosse nada com ele... Foi um momento para a história...

Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

"Arte na Horta" - Jean-Charles Forgeronne

 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

 
CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - LX

O ÚLTIMO CONCERTO DE JAQUES BREL

Nos registos oficiais consta que o último concerto de Jacques Brel ocorreu a 16 de Maio de 1967, no Coliseu de Roubaix, perante uma assistência de 250 espectadores, mas isso não corresponde à verdade pois no dia 12 de Setembro de 1974, o artista, fazendo escala na Horta durante a sua volta ao mundo a bordo do seu veleiro e já doente, ainda cantou para os vinte e oito clientes do Peter's naquela noite! O acontecimento ficou gravado na memória dos presentes e o seu testemunho perdura no tempo...

"Ouvindo Brel no Peter´s" - Jean-Charles Forgeronne

"Azevedo (...) dirigiu-se a um iatista francês versado em algum português, comunicou-lhe que estava ali um artista de dimensão universal e pediu-lhe para perguntar a Brel se podia interpretar uma canção, ali, para todos.
Ao ouvir o pedido, Brel ficou sério, quase melancólico.
Foi para fugir a estas solicitações que havia abandonado os palcos. Para não ter de voltar a trabalhar nas fábricas de cartão do espectáculo.
Todos os iatistas voltaram a olhar para o Grand Jacques e, fazendo o exercício de lhe retirar os adereços, reconheceram-no.
Percebendo a sua hesitação, ergueram as canecas para o incentivar. Brel olhou para eles e sentiu ali um ambiente desinteressado, de uma pureza boémia, uma fraternidade de lobos do mar.
Pediu uma viola."

in "Como um marinheiro partirei", Nuno Costa Santos


"Jacques Brel" - Museu de Scrimshaw, Peter´s - Jean-Charles Forgeronne

"Amsterdam" é a música que todos os dias se ouve quando o Peter's fecha portas por apenas algumas horas, e que melhor homenagem poderia ser feita ao artista-marinheiro? E aí eu arrepio-me um pouco e não é devido à brisa que se levanta do canal, tenho um calafrio porque a primeira vez que ouvi essa extraordinária canção e depois durante muito tempo foi numa versão do saudoso David Bowie, ainda adolescente eu era, e só muitos anos mais tarde descobri o arrepiante original...

                                                                                           Amsterdam - Jacques Brel
João Sem-Dó
(Musicólogo de Valmedo)
 
LIVROS 5 ESTRELAS - XLI

UMA VOLTA A MUITOS MUNDOS...

Foi um autêntico golpe de sorte o modo como descobri este extraordinário livro, talvez aquela sorte pela qual anseiam os marinheiros quanto enfrentam os perigos e desafiam a morte, foi um acaso tão singular que a partir desse momento comecei a ser um pouco menos céptico em relação à existência de um algoritmo superior e misterioso que condicione as nossas escolhas e o nosso percurso de vida, coisas que afinal talvez não dominemos assim tão bem como julgamos... Numa manhã quente de Outubro de 2024 e aos esses pelo esquisito trânsito da A8 íamos a caminho do aeroporto para apanhar o avião para a Terceira quando decido num impulso mudar de estação de rádio, passo da Antena 3 para a Antena 1, "por causa da informação de trânsito", justifico-me à N., e depois de sossegado por não haver acidentes nem transtornos de maior no acesso à grande urbe já o meu indicador se preparava para voltar a mudar quando ouço o pivot do programa dizer: "A seguir, na Zona VIP, João Gobern traz-nos uma história maravilhosa e um livro sobre os Açores, não é João?"...
- "Olha a coincidência! - lembro-me de ter exclamado - Nós em viagem para a Terceira e esta coisa sobre os Açores... 
O resto foi uma grande e maravilhosa descoberta que influenciaria e nortearia, passado quase um ano depois, a nossa exploração da Horta e do Faial em busca de sinais da passagem de Brel pelos Açores e tudo graças àquele mágico segundo em que mudei de posto, se não o tivesse feito o meu mundo e a minha vida não seriam os mesmos, seriam decididamente mais pobres pois quer o livro quer a fantástica vida de Brel me passariam ao largo ...

"O Askoy II" - Fonte: Google

Nuno Costa Santos chamou a esta obra "Como um marinheiro partirei", o primeiro verso da primeira canção do primeiro álbum de JACQUES BREL, de 1954, "Comme un marin je partirai", e como um romancista, um biógrafo e um repórter partiu ele, a partir de um antigo recorte de jornal, em busca da história da passagem da grande lenda da música do século passado pelos seus Açores... Brel, no auge da carreira e com apenas 38 anos, cansado de um ritmo de actuações extenuante, tinha-se surpreendentemente afastado do mundo do espectáculo e decidira dar uma volta ao mundo no seu veleiro Askoy II, com passagem pelos Açores... O resto é história e histórias para ler neste livro, de preferência ouvindo em fundo as magistrais canções do marinheiro...

"Captain Brel - Foto: www.boatsnews.com

João Vírgula
(Leitor de Valmedo"