sábado, 16 de agosto de 2025

 
E COMO VER O MUNDO-CÃO SEM CAPAS?

Reconheço, pode não passar de uma mania como outra qualquer mas geralmente e quando a normalidade dos dias assim o permite, uma das primeiras coisas que faço quando acordo ou quando a insónia me ataca é navegar pelas capas dos jornais que os sítios internéticos vão disponibilizando, infelizmente quase sempre a conta-gotas... Não sei quantas vezes foi através de uma capa de jornal e ao acordar que fui confrontado com um acontecimento extraordinário que ocorrera enquanto estava prisioneiro dos braços de Hipnos, mas a sensação que me assalta ao desvendar as primeiras capas do dia é a mesma que teria se estivesse estado fechado na escuridão durante uma noite inteira e então abrisse uma janela para a luz do mundo-cão, para a realidade... 


"A última i"

Posso até não aprofundar muitas das chamadas de atenção de uma capa mas também já me aconteceu ir comprar o jornal porque algo me interessou deveras, pode ser uma capa normal sem grande impacto mas também pode ser uma capa que é uma autêntica obra de arte, uma capa de jornal (ou revista), para além de seduzir o leitor para a compra da publicação pode moldar opiniões, influenciar pensamentos, criar discussões e por vezes algumas tornam-se até inestimáveis testemunhos históricos...  
E agora o mundo das capas está muito mais pobre, desapareceu o i, um reflexo afinal da crise que infesta o jornalismo, melhor, o verdadeiro jornalismo, porque o outro "jornalismo", o de plástico, ao serviço de interesses económicos e políticos, esse vai de vento em pompa com notícias cada vez mais plastificadas...
Obrigado i, pelas notícias e pelas capas... 

João Cacha
(Jornalista de Valmedo)

sexta-feira, 15 de agosto de 2025


INCRÍVEL HENDRIX, INCRÍVEL ALMADENSE 

De facto, o que é incrível é só agora eu ter conhecido o INCRÍVEL ALMADENSE! E imagino o desperdício, tantas devem ter sido as suas gloriosas noites que perdi, mas enfim, nem vale a pena tentar encontrar razões para tanto desencontro mas um dia haveria de acontecer e como se diz por aí acertadamente mais vale tarde do que nunca... Em boa hora chegou o desafio do amigo Andarilho, também ele com ganas de conhecer o mítico espaço e depois de bem aconchegados pelo "Velho Kurica" lá fomos à aventura que nem leões...

"Incrível Almadense" - Jean-Charles Forgeronne

O CINE INCRÍVEL, na zona velha de Almada, tem uma história de 100 anos de existência, foi inaugurado em 1925 e fica situado mesmo ao lado do edifício da sua proprietária, a Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, esta fundada em 1848! A icónica sala de espectáculos começou por albergar peças de teatro, depois também cinema e mais tarde concertos de música, tendo por lá passado nos anos 80 muito boa gente dos primórdios do rock português, como os Xutos&Pontapés e os UHF... Talvez por isso ficou conhecido desde então para muita gente como o Rock Rendez-vous da margem sul...

"Memorabilia" - Jean-Charles Forgeronne

Espaço incontornável da cultura de Almada e da margem sul, o CINE INCRÍVEL tem tido uma existência conturbada, chegou a encerrar portas e a entrar em lastimável estado de abandono mas valeu-lhe a intervenção da Associação Alma Danada que em 2012 o salvou do desastre ao assumir a sua gestão... E hoje, apesar de alguns contratempos, ali acontecem inúmeros concertos, desde bandas de garagem a nomes consagrados da música portuguesa, desde sessões semanais de jazz a bandas de tributo, muito se passa por ali, felizmente... 

"Hendrix reencarnado" - Jean-Charles Forgeronne

E por ali passou há dias o Jimmy Hendrix, com mestria bem reencarnado na guitarra de Tiago Maia e muito bem secundado por Ricardo Dikk no baixo e Rui Reis na bateria, e depois de um belo serão é inevitável um regresso para breve, afinal o Incrível merece muitas mais visitas...

"Almada Velha" - Jean-Charles Forgeronne

João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

 
UMA VOLTINHA POR... - IV

"Chafariz das Cinco Bicas" - Jean-Charles Forgeronne

... Caldas da Rainha! Ou melhor, pela zona histórica das Caldas... É um pequeno mas muito rico passeio e que começa junto ao Chafariz das Cinco Bicas, datado de 1749 e o mais imponente dos três chafarizes mandados construir por D. João V para abastecimento de água à população... E porque estamos a falar de água numa terra de artes, mesmo atrás do chafariz, na área hospitalar mas de acesso público, encontra-se o "Jardim da Água", obra do ilustre ceramista Ferreira da Silva, merecedora duma visita... Desce-se um pouco, meia dúzia de passos e já é possível contemplar a icónica Praça da Fruta, desde o século XV um dos mais famosos mercados de rua de Portugal, com os seus toldos coloridos e bancas recheadas com a melhor fruta e os melhores legumes que se podem encontrar... Toda a gente ali desemboca, sejam os caldenses clientes diários ou forasteiros que vão de passagem para o trabalho ou turistas, consta até que excursões da terceira idade têm como ponto de paragem obrigatório este mercado de uma singular atmosfera...


"Praça da Fruta" - Jean-Charles Forgeronne

Depois de passar pelo mercado, se estiver num dia de sorte, pode em qualquer travessa ou esquina ser surpreendido ao cruzar-se com um dos pavões que habitam o Parque D. Carlos e que têm como passatempo preferido um passeio matinal pelas redondezas...

"Passeio matinal" - Jean-Charles Forgeronne

Ou então também pode ser surpreendido por uma chuva de chapéus coloridos, parece que é moda, há-os agora por todo o lado de norte a sul, mas estes aqui das Caldas, como não poderia deixar de ser, são diferentes, se olhar com atenção irá reparar que todos aqueles chapéus são machos, todos eles têm o seu caralhinho pendurado...

"Caralhinhos pendurados" - Jean-Charles Forgeronne

Depois da irreverência artística deixada para trás é inevitável não dar por si onde a história desta cidade começou, em pleno largo do Hospital Termal, considerado o hospital termal mais antigo do mundo, mandado construir pela Rainha D. Leonor em 1485... Não esqueça de contornar o edifício do hospital e contemplar a belíssima Capela da Nossa Senhora do Pópulo, se tiver sorte de a encontrar aberta não hesite, entre e deixe-se relaxar, irá encontrar alguma paz espiritual e vigor para o resto da jornada...   

"Nossa Senhora do Pópulo" - Jean-Charles Forgeronne

E agora que o calor aperta é hora de passear ou simplesmente descansar nas sombras do Parque D. Carlos, ou então se para aí estiver desperto ainda pode visitar o Museu José Malhoa, e a visita, garanto-lhe, vai valer a pena...

"Parque D. Carlos" - Jean-Charles Forgeronne

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)
 
 
O MUNDO-CÃO PELO OLHO DO ARTISTA - III

"Capela Nossa Senhora do Pópulo", aguarela, Museu José Malhoa - António Vitorino

"Capela Nossa Senhora do Pópulo" - Jean-Charles Forgeronne, 2025

terça-feira, 12 de agosto de 2025


 ANTIDEPRESSIVO NATURAL...

Andamos tão ocupados nesta existência caótica e depressiva que não temos nem tempo nem cabeça para repararmos nas coisas mais simples desta vida, muitas vezes também elas as mais belas, e no entanto a natureza tem a todo o momento surpresas para nos deslumbrar, basta dar o primeiro pequeno passo e esperar que aconteça, a recompensa espera por nós...

"Ballerina Alien"- Jean-Charles Forgeronne

Noite de insónia, manhã gloriosa? Embora raro por vezes acontece, chego à praia de Vale de Frades, deserta, ainda meio mundo-cão dorme, entretanto da outra metade muitos já se encontram submersos pelo trânsito caótico a caminho do rotineiro trabalho e a maior parte já mergulhou a fundo nos braços lascivos e alienantes das redes sociais... E eu por aqui, em plena maré vazia, só eu, areal e o oceano! Bem, parece que afinal não estou sozinho, de tanto recuar o mar deixou curiosos despojos... 

"O couraçado" - Jean-Charles Forgeronne

De tanto empinar o nariz para absorver os cheiros a mar quase que tropeçava numa estranha criatura que parecia dançar para mim, uma bailarina alienígena sem dúvida, talvez vinda de Sirius, a estrela mais brilhante da noite e para onde se alinham as pirâmides egípcias... Dou um passo para o lado para me desviar da criatura dançante e quase piso outro ser de outro mundo, um bicho couraçado que tenta fugir às arrecuas e que não tem ar de querer fazer amizade... 

"Ioga estelar" - Jean-Charles Forgeronne

Parece que passei um portal e que entrei noutra dimensão e ao deparar com uma família de peludas estrelas fazendo ioga à beira da água sinto-me num mundo paralelo tão diferente daquele de onde vim há pouco e onde não entram stresses mentais, nem rotinas doentias e castradoras, nem guerras, nem políticos aberrantes, nem desportos fúteis e alienantes, nem pessoas mesquinhas, nem doenças terríveis, nem ameaças de desgraças, nem religiões absurdas...

"O Vigilante" - Jean-Charles Forgeronne

E então tenho a certeza que estou a ser observado, instintivamente olho em volta à procura da nave que deve estar por ali algures e de onde deve ter saído toda esta estranha vida, é que diante de mim tenho agora uma estranha bola de espinhos e onde descortino um olho que me olha com ar ameaçador, que sabe se a enviar dados sobre mim para o planeta de onde veio... 

"O planeta verde" - Jean-Charles Forgeronne

Só não consegui vislumbrar quem me atingiu com o raio verde, o tal da lenda de Verne, talvez dissimulado atrás de uma rocha, o certo é que fui assaltado por uma espécie de tontura, uma sensação de êxtase e quando recuperei e abri os olhos vi que estava noutro local da galáxia, estava num planeta verde... 
E pronto, sempre chega a hora de regressar ao mundo antigo mas agora, depois deste antidepressivo que me purificou a alma, já vou contando as luas para a próxima evasão...   

João Atemboró
(Naturalista de Valmedo)

sexta-feira, 8 de agosto de 2025


 VIAGEM A UM MUNDO PARALELO...


Em 1976 escrevia LOUISE WEISS, jornalista e política francesa, defensora dos valores europeus e assumida feminista:

"Por causa da rapidez com que a sociedade tem mudado neste nosso século, os mais velhos e os mais novos, que coexistem no espaço, já não coexistem no tempo. Andam pelas mesmas ruas, dormem debaixo do mesmo tecto, mas, por causa da acção da memória, vivem em planetas diferentes."
(in "Mémoires d'une Européenne")


Hoje, passados 49 anos, quase quase meio-século, esta leitura do mundo-cão é mais real do que nunca, basta substituir "memória" por "tecnologia digital"! Hoje velhos e novos vivem em mundos paralelos, só que pelo caminho, à velocidade da luz, vai-se perdendo a memória, e sem memória do que fomos e do que construímos não há chão nem sabedoria nem valores, o abismo fica perto...

João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)

terça-feira, 5 de agosto de 2025

 
TIRADAS DO GÉNIO - VII

APENAS UM DIA DE MAU GÉNIO

Era apenas mais um daqueles dias em que o genial e temido Professor Vitorino Nemésio estava com os azeites e em que numa prova oral de Cultura Portuguesa teve em sortes de lhe calhar pela frente um aluno que tinha sido seminarista e conhecido como um marrão a sério:
- Que espectáculos viu o senhor ultimamente? - começou Nemésio...
O aluno, surpreso, respondeu:
- Ultimamente não vi nenhum...
- Nenhum? Vá-se embora!
E chumbou-o.

                                                                   (Baseado em "Anedotas do Nemésio", Arnaldo Saraiva, 2016)


João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)

domingo, 3 de agosto de 2025

"Flamengos abaixo...", Faial

 Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

"O ilhéu e o cão", Museu das Lajes do Pico - Foto:Jean-Charles Forgeronne

 
SCRIMSHAW, UM PASSATEMPO ARTÍSTICO...

Scrimshaw é uma palavra da língua inglesa que designa a arte de entalhe, gravação e pintura em marfim, especialmente em dentes e ossos de mandíbula de cachalote... Esta arte começou por ser realizada a bordo das barcas baleeiras americanas que dominaram a caça à baleia a nível mundial entre 1820 e 1880, época em que o mundo era iluminado a óleo de baleia e as máquinas da Revolução Industrial exigiam quantidades astronómicas de lubrificante; ora, os homens que eram contratados, muitas vezes à força, passavam muito tempo em alto mar, chegavam a andar 4(!) anos embarcados, e sem nada para fazer os mais dotados iam dando asas às sua criatividade... 

"Museu das Lajes do Pico" - Jean-Charles Forgeronne

E os camponeses açorianos que eram contratados pelos americanos e que se revelaram, nas palavras de Herman Melville em "Moby Dick", os melhores caçadores de baleias, também se tornaram exímios artistas na arte do scrimshaw e originando depois uma indústria de artesanato com grande procura a partir do século XX e onde despontaram grandes artistas como por exemplo Frank Barcelos, terceirense da Praia da Vitória mas radicado na América desde cedo e que chegou a ser considerado o maior artista mundial desta arte no seu tempo... 

"Museu das Lajes do Pico" - Jean-Charles Forgeronne

A arte parece em declínio, já Barcelos avisava em entrevista ao Público em 1990, pouco tempo depois do fim da caça à baleia no arquipélago, que a actividade estava a morrer nos Açores, "um moço no Faial, um rapazito na Praia, um faroleiro de São Miguel que fazia coisas bonitas - não sei se morreu - e mais uns poucos"... E hoje, pondo de parte o mercado paralelo de cópias em massa sintética, o verdadeiro e genuíno scrimshaw parece confinado apenas aos museus ou a colecções particulares, valendo as obras originais dos antigos artistas verdadeiras fortunas... 

"Museu do Peter's" - Jean-Charles Forgeronne

João Plástico
(Artista de Valmedo)

sábado, 2 de agosto de 2025

 
CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - LXI

QUANDO NEPTUNO ESTEVE NA HORTA...

Entre o meio-dia e as quatro da tarde do dia 15 de Fevereiro de 1986 abateu-se sobre os Açores e especialmente sobre a Horta a maior tempestade do século XX, atingindo o vento 250 Kms/h, a altura das ondas era de 15 a 20 metros e a altura da rebentação chegou aos 60 metros... Quem nesse sábado andou pela baía de Porto Pim a fotografar o acontecimento foi José Henrique Azevedo, filho do Peter e actual gestor do estabelecimento, e quando dois anos mais tarde ao querer mostrar com mais facilidade aos iatistas a dimensão da tempestade e ao passar duas fotografias de diapositivo a papel algo de extraordinário se revelou...



Foi até um empregado do café que ao ver Azevedo de volta das imagens reparou que no momento em que foi tirada uma das fotografias se tinha formado na rebentação da onda uma figura humana, reconhecendo-se o cabelo, os olhos, o nariz, a boca e a barba, só poderia então e a propósito chamar-se-lhe Neptuno, o deus dos mares... O deus parece até estar descansando ou apenas observando, deitado e de cabeça recostada numa das vertentes do Monte da Guia, como se não fosse nada com ele... Foi um momento para a história...

Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

"Arte na Horta" - Jean-Charles Forgeronne

 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

 
CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO - LX

O ÚLTIMO CONCERTO DE JAQUES BREL

Nos registos oficiais consta que o último concerto de Jacques Brel ocorreu a 16 de Maio de 1967, no Coliseu de Roubaix, perante uma assistência de 250 espectadores, mas isso não corresponde à verdade pois no dia 12 de Setembro de 1974, o artista, fazendo escala na Horta durante a sua volta ao mundo a bordo do seu veleiro e já doente, ainda cantou para os vinte e oito clientes do Peter's naquela noite! O acontecimento ficou gravado na memória dos presentes e o seu testemunho perdura no tempo...

"Ouvindo Brel no Peter´s" - Jean-Charles Forgeronne

"Azevedo (...) dirigiu-se a um iatista francês versado em algum português, comunicou-lhe que estava ali um artista de dimensão universal e pediu-lhe para perguntar a Brel se podia interpretar uma canção, ali, para todos.
Ao ouvir o pedido, Brel ficou sério, quase melancólico.
Foi para fugir a estas solicitações que havia abandonado os palcos. Para não ter de voltar a trabalhar nas fábricas de cartão do espectáculo.
Todos os iatistas voltaram a olhar para o Grand Jacques e, fazendo o exercício de lhe retirar os adereços, reconheceram-no.
Percebendo a sua hesitação, ergueram as canecas para o incentivar. Brel olhou para eles e sentiu ali um ambiente desinteressado, de uma pureza boémia, uma fraternidade de lobos do mar.
Pediu uma viola."

in "Como um marinheiro partirei", Nuno Costa Santos


"Jacques Brel" - Museu de Scrimshaw, Peter´s - Jean-Charles Forgeronne

"Amsterdam" é a música que todos os dias se ouve quando o Peter's fecha portas por apenas algumas horas, e que melhor homenagem poderia ser feita ao artista-marinheiro? E aí eu arrepio-me um pouco e não é devido à brisa que se levanta do canal, tenho um calafrio porque a primeira vez que ouvi essa extraordinária canção e depois durante muito tempo foi numa versão do saudoso David Bowie, ainda adolescente eu era, e só muitos anos mais tarde descobri o arrepiante original...

                                                                                           Amsterdam - Jacques Brel
João Sem-Dó
(Musicólogo de Valmedo)
 
LIVROS 5 ESTRELAS - XLI

UMA VOLTA A MUITOS MUNDOS...

Foi um autêntico golpe de sorte o modo como descobri este extraordinário livro, talvez aquela sorte pela qual anseiam os marinheiros quanto enfrentam os perigos e desafiam a morte, foi um acaso tão singular que a partir desse momento comecei a ser um pouco menos céptico em relação à existência de um algoritmo superior e misterioso que condicione as nossas escolhas e o nosso percurso de vida, coisas que afinal talvez não dominemos assim tão bem como julgamos... Numa manhã quente de Outubro de 2024 e aos esses pelo esquisito trânsito da A8 íamos a caminho do aeroporto para apanhar o avião para a Terceira quando decido num impulso mudar de estação de rádio, passo da Antena 3 para a Antena 1, "por causa da informação de trânsito", justifico-me à N., e depois de sossegado por não haver acidentes nem transtornos de maior no acesso à grande urbe já o meu indicador se preparava para voltar a mudar quando ouço o pivot do programa dizer: "A seguir, na Zona VIP, João Gobern traz-nos uma história maravilhosa e um livro sobre os Açores, não é João?"...
- "Olha a coincidência! - lembro-me de ter exclamado - Nós em viagem para a Terceira e esta coisa sobre os Açores... 
O resto foi uma grande e maravilhosa descoberta que influenciaria e nortearia, passado quase um ano depois, a nossa exploração da Horta e do Faial em busca de sinais da passagem de Brel pelos Açores e tudo graças àquele mágico segundo em que mudei de posto, se não o tivesse feito o meu mundo e a minha vida não seriam os mesmos, seriam decididamente mais pobres pois quer o livro quer a fantástica vida de Brel me passariam ao largo ...

"O Askoy II" - Fonte: Google

Nuno Costa Santos chamou a esta obra "Como um marinheiro partirei", o primeiro verso da primeira canção do primeiro álbum de JACQUES BREL, de 1954, "Comme un marin je partirai", e como um romancista, um biógrafo e um repórter partiu ele, a partir de um antigo recorte de jornal, em busca da história da passagem da grande lenda da música do século passado pelos seus Açores... Brel, no auge da carreira e com apenas 38 anos, cansado de um ritmo de actuações extenuante, tinha-se surpreendentemente afastado do mundo do espectáculo e decidira dar uma volta ao mundo no seu veleiro Askoy II, com passagem pelos Açores... O resto é história e histórias para ler neste livro, de preferência ouvindo em fundo as magistrais canções do marinheiro...

"Captain Brel - Foto: www.boatsnews.com

João Vírgula
(Leitor de Valmedo"

quinta-feira, 31 de julho de 2025

 
FOI BONITA A FESTA, PETER'S!

Embora por vezes coloquemos isso em causa porque nada de extraordinário acontece nas nossas pacatas agendas de vida por longos períodos de tempo, é certo que existem felizes coincidências, temos noção disso por causa dos relatos alheios que nos chegam pelos mais variados meios mas agora fomos nós os contemplados com essa sorte, a nossa estadia no Faial coincidiu surpreendentemente com a festa do PETER'S que comemorou no passado dia 18 de Maio os 100 anos de nascimento de José Azevedo, o verdadeiro Peter...

"Out" - Jean-Charles Forgeronne

E que belo gesto foi aquele do Peter's em comungar com toda a comunidade o sucesso da casa, sabe bem ver a estima e consideração retribuídas e não faltaram naquela inesquecível tarde de domingo a música, a animação e a simpatia que é apanágio da casa, e além disso, claro, o caldinho de peixe, as bifanas no pão e as sardinhas, tudo oferta da casa, e que bem que souberam! Seria demasiado exigir também o maravilhoso bolo de chocolate ou o gin como oferta, quem sabe se não acontecerá lá para 2125, nos 200 anos de aniversário, porque longa vida se deseja ao Peter's... E obrigado!  

"In" - Jean-Charles Forgeronne

João Palmilha
(Viajante de Valmedo) 
 
TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XXXVIII

PETER'S, PORTO DE ABRIGO...

Tudo se encontra lá, os marinheiros em escala e os outros marinheiros que dali já não têm vontade de partir, os viajantes como eu que vieram pelos ares mas que agora, encantados, prometem a si próprios ser marinheiros numa próxima vida, os aventureiros dos sete cantos do mundo-cão em busca de novas emoções, os turistas que um dia juraram conhecer todas as ilhas açoreanas e que ali aportam a meio do seu périplo, os habitantes da Horta ou os vizinhos das Angústias ou os dos Flamengos, toda, mas toda a gente a qualquer hora se pode encontrar no PETER'S...  

"Destino incontornável" - Jean-Charles Forgeronne

Porque o PETER'S é muito mais do que um café ou um bar à beira da marina e em que na esplanada com a montanha do Pico no horizonte se petisca algo ou então se bebe o obrigatório e afamado gin, já agora um gin único, talvez nem pela qualidade da bebida, provavelmente não será o melhor gin do mundo, mas uma coisa é certa: em lado algum um gin sabe tão bem e parece tão milagroso como ali, talvez pelo cenário, talvez pelo ambiente, talvez sobretudo pela tradição e pelas histórias maravilhosas que envolvem o estabelecimento, talvez por tudo isso junto, o Peter´s é universal, inevitável destino de romaria e de encantamento...

"Na esplanada..." - Jean-Charles Forgeronne 

No Peter´s bebe-se, come-se, descansa-se, fala-se, ouve-se, olha-se, ri-se, pensa-se, analisa-se, sonha-se, diverte-se, assentam-se ideias, traçam-se rumos futuros, fazem-se amigos, juram-se coisas, limpa-se a cabeça, não é apenas um porto de abrigo para os marinheiros e os outros, é sobretudo um porto de abrigo para a alma... 


João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

domingo, 20 de julho de 2025

 
POEMA VULCÂNICO SOTERRADO

Chegados à Ponta dos Capelinhos assalta-nos a sensação de que acabamos de pisar a Lua ou outro inóspito planeta qualquer, o cenário é negro, saído de uma infernal fogueira o chão não é mais do que cinzas e rochas queimadas, nenhuma criatura habita este território fustigado pela labareda do vulcão... Ainda assim, ao fundo, a antiga Casa dos Botes e um muro revestido a azulejos pintados pugnam por dar cor a tanta aridez e transmitir mensagens que preservam a memória da tragédia ao mesmo tempo que avisam as gerações futuras de que neste paraíso atlântico nada é garantido... 


"O Mural" - Jean-Charles Forgeronne

Naturalmente os ventos continuam a espalhar cinzas e pó do vulcão a muita distância, a paisagem altera-se, o muro enterra-se a cada ventania e parte do belo poema que ali foi escrito escondeu-se nas entranhas do planeta, nem pá nem picareta à mão e eu a escavar com as mãos mas debalde, acabo desolado por não conseguir trazer à luz a misteriosa parte oculta que se esconde terra adentro... Talvez noutro dia, em que os tempestuosos ventos levem estas cinzas para outro lugar seja possível lê-lo na íntegra, mas não tenho mais tempo aqui e pior do que isso é não saber de quem é o poema, estará ele publicado em alguma obra? Dúvida atroz...

"O poema vulcânico" - Jean-Charles Forgeronne


"No ar calafrio
rebenta em cachão repentino
luzidio penedo.

O cachalote

É átomo naquele mar infindo
o bote.

Nas cavernas da alma
rosna pronto o medo
enquanto o latejar do mundo
cospe adamastores de fogo
denso.
Assoma à boca do tempo
um esgar suspenso

Que terra é esta
de tais perigos
cheia?
Que gente é esta
(...)    "


J.C
(Poeta de Valmedo)

"Casa dos Botes", Capelinhos - Pedro Braia, Ana Correia, 2022

Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

 
A RAIVA DO VULCÃO - XII

CAPELINHO, CAPELO, CAPELÃO...

    No dia 27 de Setembro de 1957 teve início no Faial um dos acontecimentos mais importantes da história da vulcanologia do planeta mundo-cão, perto do ilhéu dos Capelinhos, então situado a 1 Km da costa da península do Capelo, deu-se uma violenta erupção vulcânica submarina que a grande altitude projectou uma colossal quantidade de cinzas e vapor de água! O depois chamado Vulcão dos Capelinhos só terminou a sua actividade no dia 24 de Outubro de 1958 e durante esses intermináveis 13(!) meses foi, como nenhum outro até agora, observado, documentado e estudado... Felizmente ninguém morreu mas o impacto da erupção foi tal que aumentou a ilha em 2.4 Km2 e devido à destruição de casas, terrenos agrícolas e pastagens obrigou ao êxodo de metade da população da ilha para a América!  

"Capelinho" - Jean-Charles Forgeronne

O Capelinho do Capelo transformou-se então num Capelão e debaixo de toneladas de cinzas e areias vulcânicas ficaram então soterradas outras toneladas de memórias e vivências das gentes que desertaram, como aquelas do Porto Comprido por onde passavam os homens originários de várias ilhas e que depois de pernoitar na Casa dos Botes abalavam com coragem para a caça à baleia... O farol, esse, que também deve ter muitas histórias por contar, ali continua de pé, como devem estar os faróis mortos...


"O farol" - Jean-Charles Forgeronne

João Lava
(Vulcanólogo de Valmedo)

quarta-feira, 9 de julho de 2025

 
EFEMÉRIDE # 111

O DIA EM QUE A ILHA VEIO ABAIXO...

De vez em quando a Terra espreguiça-se e treme para nos mostrar como somos pequenos e vulneráveis, quais ácaros na pele de um monstro levamos com uma valente coçadela e o mundo muda num instante, são avisos para nos levar a pensar que controlamos muito menos do que aquilo que pensamos e para isso basta lembrarmo-nos do que aconteceu exactamente há 27 anos atrás nos Açores...

"Antes..."
De facto, no dia 9 de Julho de 1998, as ilhas do Faial, Pico e São Jorge tremeram e muito por causa de um violento sismo que abalou em particular a zona da Ribeirinha, no Faial... A Igreja de São Mateus, por exemplo, que já tinha sido completamente destruída noutro sismo em 1926 e que, apesar do insuficiente apoio estatal e graças sobretudo ao empenho e às contribuições da população durante oito anos, tinha sido teimosamente reconstruída e reerguida exactamente no mesmo local, acabou por ser novamente destruída! E assim continua nos dias de hoje, em escombros, à espera de uma nova vida, diz-se que talvez ressuscite noutro local da freguesia, noutro sítio talvez mais abençoado... Por enquanto ali resta o esqueleto do templo, afinal uma memória bem viva da tragédia, um aviso para a efemeridade das coisas...

"Agora..." - Jean-Charles Forgeronne

"Antes..."
Também o Farol da Ponta da Ribeirinha não resistiu ao sismo de 1998 e por lá continua em ruínas...  Tendo iniciado funções em 1919, com a sua torre quadrangular de 20 metros de altura e quatro moradias anexas para alojamento de faroleiros e respectivas famílias, o farol, imortalizado por Vitorino Nemésio na sua obra maior "Mau tempo no Canal", foi durante décadas um fiel guia das embarcações que durante a noite demandavam as águas que unem as ilhas do Triângulo, Faial, Pico e São Jorge...


Hoje em dia quem orienta os marinheiros nocturnos do triângulo é um farolim instalado numa coluna metálica branca com 5 metros de altura, vai servindo mas perdeu-se o romântico encanto... 

"Memória..." - Jean-Charles Forgeronne

João Alembradura
(Historiador de Valmedo) 

"Marina da Horta" - Jean-Charles Forgeronne

 


 NA HORTA, COMO UM MARINHEIRO...

Como um marinheiro cheguei à Horta, de barco, a bordo do Gilberto Mariano, um ferrie que pode transportar quase 300 passageiros e uma dúzia de viaturas e assim baptizado em homenagem àquele que durante décadas foi um herói das travessias diárias entre o Pico e o Faial para entrega de correspondência, encomendas e o que mais houvesse...
Mantenho-me sentado, serei, qual indómito capitão, dos últimos a sair, não tenho pressa nem maleita, a travessia apanhara mau tempo nos dois canais e agora, espreitando por entre muitos passageiros ainda cambaleantes e de saco de vómito na mão como se de um troféu se tratasse, quais zombies, vou vislumbrando ao longe o casario e a marina aos pés do Monte da Guia...   

"O Mariano ancorado" - Jean-Charles Forgeronne 

Devido à sua divina localização a meio do Atlântico, a marina da Horta é uma das mais famosas e procuradas do mundo, porto de abrigo de muitos iatistas e e aventureiros de todos os cantos do planeta que vão deixando nos muros e no chão os testemunhos da sua passagem, também por recordação futura mas especialmente por temerem a lenda que vaticina de que se não o fizerem não chegarão ao seu destino... E consta que não há marinheiro que não acredite no destino!


Depois de percorridas em passo lento e atento a marina e a marginal, apertando a fome nada melhor que abancar no Café Porto Pim e à custa de uma generosa tosta mista e de uma cerveja fresquinha no ponto deixarmo-nos enlevar pela vista da montanha e da formosa baía, isto se não formos distraídos por um bando de irrequietos e afoitos pássaros que com uma desconcertante familiaridade poisam na nossa mesa à cata de migalhas... 


E mesmo que nos tenhamos esquecido do livro que andamos a ler demasiado devagar devido às exigências da viagem, ou do bloco de notas onde registamos impressões para não as darmos como perdidas logo na manhã seguinte, há sempre mensagens que nos captam a atenção e nos fazem sonhar... 


João Palmilha
(Viajante de Valmedo)