ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - XIV
É DE PRAGA, SIM SENHOR!
Assim que saio para a rua cai-me em cima o ar fresquinho da Boémia outonal, componho melhor o cachecol, puxo o fecho do casaco para além do limite e começo a andar pelo ainda quase deserto e amplo passeio da rua 28 Rijna, que é como quem diz a 28 de Outubro, data sagrada para os checos pois nesse longínquo ano de 1918 tanto eles, fartos do domínio dos austríacos, como os eslovacos, há muito subjugados pelos arrogantes húngaros, decidiram formar o estado independente da Checoslováquia... Antes de atravessar a Václavské Námêsti, que é como quem diz a nobre Praça Venceslau, quase que sou abalroado por uma daquelas várias estranhas criaturas com que me tinha já cruzado noutras ocasiões e que perigosamente deambulam pela cidade nas horas matinais com um objecto numa mão levantada à altura dos olhos e espante-se, não é um telemóvel, é mesmo um livro aberto que vão lendo enquanto caminham! E não me pareceram ser estudantes a caminho do exame a ler matéria à última da hora, tentando compensar noites perdidas pela noite de Praga, antes são pessoas que vão a caminho do trabalho e lendo, talvez, Kafka, Kundera ou Hrabal... Esta é, afinal, uma cidade que respira livros e literatura...
E depois, na Rua Na Prikope, mesmo ao lado do Lidl onde iria comprar os croissants para o pequeno-almoço, sou surpreendido com alguém a olhar-me lá de cima, nada mais nada menos do que Rainer Maria Rilke! Mas o que fazia ele ali em Praga, ele que muitos consideram um dos maiores símbolos da poesia alemã do século XX? Não era ele alemão? Pois bem, o poeta nasceu de facto em Praga a 4 de Dezembro de 1875, ali bem perto, na rua Jindrisská, era então a Boémia uma possessão do império austro-húngaro e o busto que agora observo foi montado na fachada de uma antiga escola alemã que o poeta frequentou quando era criança...
E depois do almoço com o M. no seu bairro de Holesovic, deambulando pelas imediações da Galeria Nacional, não é que dou de caras novamente com Rilke? Ali está ele num bloco de granito, imortalizado com os últimos versos da sua Nona Elegia...
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
Esse bloco tem marcas visíveis de donos atrás de donos... :-)
ResponderEliminar