sexta-feira, 29 de novembro de 2024

 

ENCONTROS IMEDIATOS COM ESCRITORES - XIV

É DE PRAGA, SIM SENHOR!

Assim que saio para a rua cai-me em cima o ar fresquinho da Boémia outonal, componho melhor o cachecol, puxo o fecho do casaco para além do limite e começo a andar pelo ainda quase deserto e amplo passeio da rua 28 Rijna, que é como quem diz a 28 de Outubro, data sagrada para os checos pois nesse longínquo ano de 1918 tanto eles, fartos do domínio dos austríacos, como os eslovacos, há muito subjugados pelos arrogantes húngaros, decidiram formar o estado independente da Checoslováquia... Antes de atravessar a Václavské Námêsti, que é como quem diz a nobre Praça Venceslau, quase que sou abalroado por uma daquelas várias estranhas criaturas com que me tinha já cruzado noutras ocasiões e que perigosamente deambulam pela cidade nas horas matinais com um objecto numa mão levantada à altura dos olhos e espante-se, não é um telemóvel, é mesmo um livro aberto que vão lendo enquanto caminham! E não me pareceram ser estudantes a caminho do exame a ler matéria à última da hora, tentando compensar noites perdidas pela noite de Praga, antes são pessoas que vão a caminho do trabalho e lendo, talvez, Kafka, Kundera ou Hrabal... Esta é, afinal, uma cidade que respira livros e literatura...


E depois, na Rua Na Prikope, mesmo ao lado do Lidl onde iria comprar os croissants para o pequeno-almoço, sou surpreendido com alguém a olhar-me lá de cima, nada mais nada menos do que Rainer Maria Rilke! Mas o que fazia ele ali em Praga, ele que muitos consideram um dos maiores símbolos da poesia alemã do século XX? Não era ele alemão? Pois bem, o poeta nasceu de facto em Praga a 4 de Dezembro de 1875, ali bem perto, na rua Jindrisská, era então a Boémia uma possessão do império austro-húngaro e o busto que agora observo foi montado na fachada de uma antiga escola alemã que o poeta frequentou quando era criança...


E depois do almoço com o M. no seu bairro de Holesovic, deambulando pelas imediações da Galeria Nacional, não é que dou de caras novamente com Rilke? Ali está ele num bloco de granito, imortalizado com os últimos versos da sua Nona Elegia...

João Vírgula
(Leitor de Valmedo)

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