domingo, 24 de dezembro de 2023

 

UM PORTUGUÊS CALCANDO A CALÇADA!


"Este mundo-cão está cheio de macambúzios ambulantes!", tenho a mania de dizer em voz alta para mim mesmo sempre que me ponho a observar quem passa e correndo o risco de alguém que me ouça declarar-me maluquinho... De facto assusta a quantidade de pessoas que por aí caminham ensimesmadas de olhas fixos no chão, sem um olhar sequer para as árvores, para as aves, para o céu, para as flores, para os animais e sobretudo para as outras pessoas que com elas se cruzam e se, dizem os psicólogos e outros especialistas em postura corporal, quem tem o hábito de andar de carranca com a cabeça baixa e olhar fixo no chão são pessoas tímidas, outras tristes e outras solitárias que se recusam a encarar o mundo de frente, então concluo pela amostragem que a saúde mental anda muito por baixo... 




Mas agora que estou sentado num austero banco em pleno jardim do Campo dos Mártires da Pátria, rodeado de árvores pejadas de pássaros, de bancos ansiando pelos velhos e mães recentes de carrinho à ilharga, de mesas de ping-pong à espera de um duelo, de mesas e cadeiras cimentadas para receber os reformados para os torneios da sueca, do ginásio de manutenção para cães ainda vazio, de galinhas e de patos que ora nadam ora passeiam à volta do lago, penso que quem não anda bom da cabeça é quem por aqui passa e não o faz lentamente e de cabeça baixa e olhar fixo no chão, como eu fiz há pouco...




Está de parabéns a Junta de Freguesia de Arroios que em 2006 inaugurou a calçada portuguesa que reveste os corredores do jardim, num autêntico labirinto que nos desafia a descobrir os motivos nele plantados, eles são cães, como não poderia deixar de ser, mas também há galinhas, patos, pombos e outras aves, afinal a fauna que ali habita, para além de um cavalo, um sol e vários desenhos florais... Mas noto que todos os que por aqui passam, uns em ar de passeio outros nem tanto, muitos de telemóvel na orelha, vêm de cabeça levantada, olhar recto e passo decidido, espalhando confiança e coragem por entre a bicharada e no entanto sem reparar na beleza daquela arte que vão inocentemente calcando...




"A partir de agora sempre que vir alguém de cabeça baixa a olhar fixamente para o chão vou olhar também!" - decido mentalmente, desta vez em silêncio, afinal olhar para o chão tem algumas vantagens em relação à postura altiva, pode salvar-nos de tropeçar em obstáculos imprevistos e de dar um sério trambolhão, podemos ter a sorte de achar uma nota de 20 perdida ou então, e não menos relevante, evitamos dar de caras com tantas trombas assustadoras que por aí vagueiam...


João Conde Valbom

(Olisipógrafo de Valmedo)

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