LIVROS 5 ESTRELAS - XXXIV
AS MEMÓRIAS NÃO AFUNDAM
Manhã de domingo, cumprindo castigo no laboratório porque alguém tem que trabalhar mesmo quando é suposto aproveitar o fim-de-semana para descansar ou apenas vadiar ao sol pela beira-mar, enquanto pausávamos para um café pergunto à Hélia:
- Que andas a ler agora?
Mostrou-me uma capa da qual já não me lembro porque entretanto ela disse:
- Bem, não sabes mas ontem li um livro espectacular, li-o todo durante a tarde! Sabes quem é a Madalena Sá Fernandes?
E eu, por acaso, sabia...
Uma semana atrás, por acaso, enquanto regressava a casa depois das compras para o almoço, na "Razão de Ser" a Diana Duarte entrevistava a Madalena Sá Fernandes e a entrevista foi tão forte que me reteve uns bons vinte minutos dentro do carro à porta de casa, sem coragem para perder um pormenor que fosse, castigando o James, ansioso e pendurado no muro a abanar-me a cauda e sem perceber porque demorava eu tanto tempo a entrar... E claro, como se de uma troca de cromos se tratasse, a Hélia emprestou-me o livro acabadinho de sair e eu pu-la a ouvir a entrevista, ela depois de a ouvir ficou com vontade de ler o livro outra vez e eu depois de ler o livro fui ouvir a entrevista novamente porque livro e pessoa completam-se...
É um livro pequeno mas cuja mensagem não tem medida, memórias fortes e violentas da infância misturadas com outras memórias felizes que servem de boia de salvação num mar revolto cheio de medos, perigos, obsessões, violência... Primeiro livro, muito autobiográfico e um pouco ficcional, escrito como terapia, deixa água na boca para futuras narrativas de outro teor...
E eu, que pensava ser a única pessoa no mundo a ouvir a Antena 3 num carro velho com pó de estradas de terra e pioneses no tecto...
"O meu pai chegava sempre atrasado, o Paulo chegava sempre a horas. O meu pai conduzia mal e tinha um carro a cair aos bocados, cujo teto estava preso com pioneses. O Paulo orgulhava-se do seu carro imaculado, a cheirar a novo, brilhante. O meu pai tinha um certo orgulho no seu carro velho coberto por uma camada de poeira, o carro de quem se aventurou por estradas de terra.
O meu pai era uma força boa. Lembra-me um poema que li algures: «ele era tão forte que podia ser doce»."
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
Muito bom!
ResponderEliminar