O DIABO TAMBÉM MORA NA CATEDRAL
Bastaria a sua monumental dimensão para justificar uma paciente e apurada visita à catedral de Segóvia mas também servem de aliciantes o facto de ter sido a última catedral gótica a ser construída em Espanha (1525) e a curiosidade de ainda se poder ser surpreendido por duas pinturas desconcertantes...
E quem diz que ele está por todo o lado tem mesmo razão, ali em plena catedral encontra-se o Diabo enquanto personagem alada e chifruda da "Él Árbol de la Vida", obra do pintor flamenco do século XVII Ignácio de Ries; nessa proverbial pintura, enquanto toda a gente participa despreocupadamente num banquete anunciador de orgia, uma luta de forças invisíveis tem lugar: por um lado Cristo, aparentemente sem sucesso, tenta alertar a humanidade para a ameaça das conspirações ocultas do maligno e por outro a morte, manietada pelo demónio, vai trabalhando incessantemente na procura da desgraça... E enquanto uns dizem "repara que vais morrer, repara que não sabes quando" outros avisam "repara que Deus te observa, repara que te estão observando", e à época obscurantista e inquisitorial observar então aquela árvore da vida seria suficiente para tirar dias e dias de sono a qualquer temente às vicissitudes deste misterioso mundo-cão!![]() |
"El Árbol de la Vida", 1656 - Ignacio de Ries - Jean-Charles Forgeronne |
Depois, ao subir a escadaria que leva à exposição de tapeçarias, o incauto visitante pode ser traído pelos seus olhos e pela perfídia do Diabo e levado a pensar que aquilo que está a ver é uma afronta à moral e aos bons costumes, nada menos do que uma pintura que retrata um velho a sugar o mamilo de uma jovem, onde já se viu isto? Nem nos dias que correm quanto mais no século XVII! Erotismo perverso numa catedral?
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"Caridad Romana" - Anónimo, séc-XVII - Jean-Charles Forgeronne |
João Alembradura
(Historiador de Valmedo)
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