sábado, 31 de dezembro de 2022

 

TASCAS E ANTROS DE PRAZER- XXII

ISCAS DE FÍGADO OU BACALHAU?

E quando a simpática Dona Emília anunciou que um dos pratos do dia e a sair eram iscas de fígado acompanhadas por batata frita não hesitei:
- Venham então lá elas! 
A N., indecisa, optou por uma grelhada mista em vez do bacalhau e observou:
- Reparaste que ela falou em iscas de fígado? Mas as iscas não são sempre de fígado?
- Pois, também notei, talvez aqui por estas bandas chamem iscas a outras coisas também... Tenho que investigar...

Estávamos bem guardados do frio, da chuva intermitente e do nevoeiro que reinavam lá fora, as ruas da cidade estavam quase desertas apesar de ser um dia de semana, ao contrário daquele refúgio que estava cheio e com fila para sentar... "A TASQUINHA" fica em pleno centro da cidade situada a mais de mil metros de altitude e há mais de 50 anos que eleva bem alto a arte beirã de bem receber a quem busca o prazer da comida tradicional portuguesa, seja ao almoço, ao jantar ou um petisco a qualquer hora como está anunciado à porta, desde os carapauzinhos fritos aos ovos verdes, da feijoada ao caldo de grão, da bela sardinha assada na época ao arroz de tamboril ou às enguias e por aí fora, é conforme o clima e o apetite...

As iscas estavam deliciosas, temperadas a preceito e a cheirar a vinagre como convém, as batatas surgiram exemplarmente crocantes e sequinhas e o tinto da casa esteve à altura... Mais tarde ficaria a saber que gastronomicamente se pode chamar iscas a qualquer pequena porção de alimento e que na região do Porto é o nome dado a pequenas lascas de bacalhau... Mas as iscas, com ou sem elas, que é como quem diz batatas cozidas, apareceram em Lisboa nos meados do século XIX e rapidamente se tornaram um sucesso ou então uma necessidade, é que, por ser barato, era um prato ou petisco associado a comida de gente pobre e não havia tasca ou taberna que não o servisse. Não admira pois que muita gente, especialmente do Ribatejo para baixo, ainda hoje associe as iscas exclusivamente ao fígado da vaca ou do porco...


E depois à saída o senhor Firmino ainda nos presenteou com uma ginginha caseira para nos aquecermos do frio que nos espera lá fora, diz ele... E é então que já estamos com saudades e que um dia certamente ali voltaremos...

João Ratão
(Chef de Valmedo)

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