quarta-feira, 21 de dezembro de 2022


LENDAS E NARRATIVAS - XIV


O SANTO, O DIABO E A CABRA...


Baptizado com o nome próprio de Fernando e de sobrenome duvidoso, aquele que mais tarde seria elevado a doutor da igreja católica e conhecido como Santo António ainda teve tempo nos seus parcos trinta e seis anos de vida para se tornar um grande viajante, não só por Portugal mas também pela França e pela Itália, onde de resto viria a morrer em Pádua... Viveu em Lisboa e em Coimbra no início do século XIII e, segundo a lenda, também terá andado a afugentar os demónios dos montes e vales da serra e de Linhares da Beira em particular... 

"A casa amaldiçoada" - Jean-Charles Forgeronne

 Quem descer do castelo pela primordial Rua dos Penedos em Linhares irá encarar a casa de granito ancestral onde há séculos habitou Dona Lopa, uma nobre viúva que vivia apenas com a sua criada e a quem, quem sabe se por inveja, a vizinhança atribuía alguns hábitos pouco católicos e outros nada recomendáveis... E num luminoso dia quem haveria de lhe bater à porta? Claro que teria que ser o nosso querido amigo e protector Santo António, quem melhor para farejar o enxofre a milhas de distância?


"A cabra" - Jean-Charles Forgeronne

- Então que é feito da sua criada? - terá perguntado o santo à dissoluta dama...
- A minha criada saiu ainda não há muito tempo - respondeu a surpresa senhora...
- Estou a ver que a senhora não desconfia que vive com o demónio!
-Mas, santo deus, como é isso possível se com ela estou tão satisfeita e se em tudo ela me apraz?
- Então, se nela acredita como ouço faça o seguinte e depois tire as conclusões que achar: logo à noite, quando ela se deitar e estiver em sono profundo, espalhe cinzas ou farinha pelo soalho e observe as pegadas quando ela sair pela manhã... 

"Rua dos Penedos",  Linhares da Beira - Jean-Charles Forgeronne

E manhãzinha cedo lá estavam as marcas feitas pelos pelos pés de cabra, a desesperada Dona Lopa, convencida que vivia com o Diabo, não tardou em expulsar de casa a criada e esta, de rastos porque teve de abdicar de uma alma quase perdida, nunca mais foi vista... Entretanto Santo António tinha feito as suas orações e o Diabo foi arrebentar junto de uma figueira existente perto das muralhas do castelo e que nunca mais deu figos...  Mas outros e muitos demónios continuam por aí a atazanar as frágeis almas desde então, é o que consta... Quanto à Dona Lopa, começou a frequentar a igreja e penitenciou-se até ao dia da sua morte pelos seus pecados! E coitada da inocente e generosa figueira, que mal  fez ela para ser conhecida como a árvore do Diabo?


João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)

Sem comentários:

Enviar um comentário