terça-feira, 1 de novembro de 2022

QUINTO INCIDENTE TRANSFRONTEIRIÇO 

ERRAR E MUITO NO AEROPORTO...


"Um grande erro!" dizia João Palmilha em voz alta sem esperar resposta de quem o ouvisse, a verdade é que já ninguém ouvia ninguém e todos desabafavam, uns como ele em modo solitário, outros com os companheiros de viagem mas a maioria, sentados de ombros caídos e olhar desesperado faziam-no ao telemóvel... Aquelas quase três centenas de pessoas que ali penavam outra vez numa fila para serem atendidas tinham estado duas horas antes sentadas no avião já com o cinto colocado e motores em aquecimento para a descolagem quando, no último momento, se abrira a porta da cabine para de lá sair um jovial comandante a informar que lamentava muito mas que por motivos técnicos o avião não poderia descolar e que todos os passageiros teriam que sair  para serem encaminhados para outro avião! Surpresa geral, muito embasbacamento, seria uma piada? Mas não era, poderia ser apenas um pequeno incidente, "atrasos quem não os teve alguma vez" disse Palmilha para a sua companheira em jeito de conforto e motivação depois de terem passado pela sorridente tripulação que ia distribuindo a cada passageiro um animador "até já"...   

O Luís Vaz de Camões, uma das aeronaves da frota da TAP, ao recusar-se a partir para Barcelona iria proporcionar a toda aquela gente um dia muito diferente daquele que tinham idealizado, ali naquela fila, por enquanto calma e ordeira, ainda ninguém sonhava que iriam esperar 15(!) horas para iniciar a sua viagem, primeiro o voo seria remarcado para as 22:40, depois para as 23:05, depois 00:15, 00:40 e finalmente 01:05 do dia seguinte... Cada mensagem recebida no telemóvel tornava-se cada vez mais dolorosa após tanta espera, "Se é para cancelar que cancelem já, porra!" alguém gritara e com razão, ouviam-se impropérios e palavras de ordem em português "TAP nunca mais" ou "Qual privatização qual quê, acabem é com esta merda de empresa!", também rondava por ali um personagem curioso de boina e rastas à Bob Marley que exalava um suspeito odor adocicado, de calções e botas cardadas de caminhante, "um verdadeiro errante como eu" pensou Palmilha, e que num inglês arrastado a denunciar a sua origem irlandesa fez um comício em plena fila: "Fuck TAP! Fuck this country! Fuck Portuguese! Fuck this all!"... 

Com vouchers para comida deu para enjoar de tanta sandes e pizza a que era impossível escapar devido aos preços praticados no aeroporto mas, ao menos, enquanto se comia não se cronometrava nem se pensava como gastar o tempo, abusava-se da mesa achada a custo, observava-se os outros companheiros de aventura e ia-se deitando um olho às notícias on-line... Tirando isso, que fazer? De vez em quando andar para cá e para lá, uma simples ida aos lavabos dava para quebrar o marasmo e sentado nas cadeiras desconfortáveis Palmilha gastava com gosto a maior parte do tempo a observar quem passava, imaginando que vida levava aos ombros cada criatura que por ali desfilava e por vezes era cá cada figura... "Aqui estou eu armado em sociólogo!", disse para si mesmo...

Mais uma mensagem a informar de novo atraso, mais uma ida aos quadros de informação para saber do estado do voo, mais um pequeno alívio por não ter sido cancelado, mais uma errância para desentorpecer e enquanto a noite se aproximava o fluxo de pessoas ia diminuindo e os voos também e nos painéis informativos a realidade assumiu-se: a maior parte dos voos com atraso e outros cancelados eram todos da TAP! E enquanto outros passageiros que iam para Barcelona pela Vueling não tinham tido qualquer problema ali estavam eles, suspensos em terra de ninguém, ansiosos pela próxima actualização... Já noite, Palmilha entretia-se agora a fazer contas, quando iriam chegar a El Prat e que transporte do aeroporto para o centro da cidade teriam já de madrugada, já se combinava a partilha de táxi com uma tradutora espanhola a viver há anos em Lisboa e desesperada porque estava em vias de perder reunião importante mas como iria ela entretanto tentar arranjar a expensas próprias voo noutra companhia também se combinava com um casal madeirense em lua-de-mel e também em vias de perder o cruzeiro em caso de cancelamento... 

Tantos dramas à parte, haveriam de aterrar em Barcelona pelas quatro da madrugada, ainda por cima obrigados a esperar pela recolha de bagagem que a TAP vende como de cabine e não de porão, chegaram ao hotel perto das seis, uma noite de alojamento perdida, a visita a Montserrat programada para  essa manhã já tinha ido para o galheiro e todo o plano de estadia teria de ser reequacionado... Tudo culpa do Camões!

João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)

Sem comentários:

Enviar um comentário