terça-feira, 15 de novembro de 2022

 

O PROGRESSO, A MEMÓRIA E A HOMENAGEM...

Tinha-as já visto ao longe do alto de Monjuic e do Parc Guell mas agora ali estavam elas mesmo à minha frente, imponentes dos seus setenta metros de altura, as três chaminés da era industrial e que são a memória da central eléctrica a carvão que no principio do século passado fez da sempre modernista Barcelona a primeira cidade espanhola a ser iluminada... Àquela zona do bairro Poble Sec chamam a propósito Tres Xemeneies e actualmente está transformada numa zona de lazer à medida das tribos urbanas que cultivam os desportos radicais e a arte mural...

"Tres Xemeneies" - Jean-Charles Forgeronne

E naquele solarengo domingo muita actividade havia por ali, muita gente de volta dos muros transformados em telas virgens prontas a receber novas mensagens e novas expressões artísticas, umas já a meio e fazendo adivinhar o que dali sairia, outras ainda no início e na minha voltinha exploratória fui atraído pela pintura ainda inacabada que um jovem aí pelos vinte anos ia pincelando enquanto olhava para aquilo que parecia ser o esboço da obra e então desavergonhadamente não evitei forçar a conversa...   

"Jaume i bisabuela" - Jean-Charles Forgeronne

Chamava-se ele Jaume e tendo que repetir porque não percebi à primeira explicou à boa maneira catalã que era o equivalente a Jaime, só que ali na Catalunha trocaram o "i" pelo "u" e diz-se "jaume" e não "rrrraime" como em castelhano... "Ah! - exclamei - Como em português, eu chamo-me João". Foi um belo desbloqueador de conversa porque então ele abriu os olhos e disse : "Ah, és português, muito bom, somos muito parecidos, por aqui também dizemos "juan" e não "rrrrruan", não arranhamos como os de Madrid"... "E o que vai ser isto?", perguntei-lhe já com pena de não poder ver a obra acabada porque nessa tarde estaria de regresso a Lisboa e ele explicou que o que estava por ali a acontecer era um "Festival Internacional de Pintura Mural" e apontando ali mesmo para o lado disse "aqueles ali são colombianos"... 

"Memória" - Jean-Charles Forgeronne

E acenando para a sua pintura esclareceu que estava a homenagear a sua bisavó porque o  tema do festival era a emigração e depois mostrou a fotografia da sua bisavó no dia em que para fugir da Guerra Civil partiu para França... "Até nisso somos parecidos, de Portugal também muita gente foi para França só que foi para fugir da miséria!", "Bom, alguns também fugiram da Guerra Colonial e do fascismo - acrescentei." Trocados os votos de sorte e felicidades deixei as três chaminés para trás e entrei pelo bairro seco adentro, assim chamado porque que só no século XIX teve água com a construção de uma fonte... E ainda hoje quem se aventure por aquelas ruelas ainda sente a atmosfera do tempo da guerra civil... 

João Alembradura
(Historiador de Valmedo)

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